Por Ricardo Leitão, em artigo enviado ao blog Como é tradição, na noite do próximo dia 31 o Presidente da República ocupará rede de rádio e televisão para desejar aos brasileiros um próspero Ano Novo.
Aproveitará a oportunidade para fazer um balanço de sua gestão em 2020 e anunciar suas previsões para 2021.
A não ser que as expectativas estejam equivocadas, o balanço e as previsões de Jair Bolsonaro serão mais um delírio de Sua Excelência.
Nada a estranhar: o Brasil do Capitão não existe.
Melhor dizendo, só existe na cabeça de um Presidente negacionista, que comanda um governo errático e dá uma incomparável contribuição pessoal à sucessão de crises das quais o país não consegue escapar.
São muitas as crises, mas neste momento a da Covid-19 é a maior, a que todos os dias mata centenas de brasileiros.
Desde o início da pandemia, contam-se quase 180 mil mortos e mais 7 milhões de infectados.
Faltam vacinas para imunizar a população e intrigas eleitorais paralisam soluções técnicas.
Bolsonaro, no entanto, irá parabenizar sua equipe pela eficiência.
Em editoriais de jornais, sua atitude insana está sendo chamada de “estupidez assassina”.
O Presidente também vai se referir, em seu pronunciamento, às reformas que “irão mudar a economia” a partir do próximo ano.
Esse é um insistente delírio.
A única reforma aprovada, a da Previdência, aconteceu porque o Congresso tomou as rédeas do processo, diante da incompetência do Governo em chegar a algum acordo entre os ministros e setores sociais e econômicos relacionados à questão.
Outros projetos e propostas essenciais para demarrar o país estão parados.
Não foi votada a proposta de emenda constitucional emergencial, que pouparia cerca de R$ 30 bilhões de despesas da administração federal e navegam no vácuo as reformas tributária e administrativa.
O programa de privatizações se transformou em uma declaração de intenções.
Cansado e frustado, o ministro da Economia, Paulo Guedes, resolveu sair de férias.
Jair Bolsonaro vai dizer que o desemprego está diminuindo.
Outro delírio.
O Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil vai cair mais de 4% neste ano, o que significa maior retração da atividade econômica e, consequentemente, maior redução na oferta de empregos formais.
A pandemia, por sua vez, atinge a indústria, o comércio e os serviços retraindo a produção e o consumo.
A crise econômica traz de volta a inflação, que vai superar 4%, mais do que a média fixada pelo Banco Central.
E a inflação alta é mais acentuada para os pobres.
Segundo levantamento do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), para famílias com renda domiciliar menor que R$ 1.050,00 a inflação acumulada em 12 meses já está em 5,80%, com um agravante: não haverá mais, em 2021, auxílio emergencial para suprir o básico dos mais pobres.
O que haverá?
Ganha uma visita à fábrica da vacina Sinovac, na China, quem apresentar um projeto relevante de algum ministério que se possa apontar e dizer: isso aqui é obra da turma do Capitão.
O que existe, porém para se envergonhar, é a incapacidade do Governo de conter a aceleração do desastre ambiental.
Os incêndios criminosos no Pantanal e na Amazônia, ao lado do desmatamento, fizeram o Brasil ser “promovido” à posição de um dos maiores emissores mundiais de gás de efeito estufa, ao lado da Indonésia e do Congo.
Em outubro de 2018, Bolsonaro se opôs ao Acordo do Clima de Paris, seguindo Donald Trump, e reagiu às pressões internacionais em favor do combate à degradação do meio ambiente.
No primeiro ano de seu governo o desmatamento na floresta amazônica – a maior do mundo em região tropical - subiu 34%, um recorde.
Os índices negativos permaneceram neste ano.
Há cada vez mais fogo e menos árvores.
Ao se dirigir aos brasileiros, o Capitão deve reiterar que resistiu às pressões de multinacionais “interessadas nas nossas riquezas”.
O discurso nacionalista envelhecido é mais um delírio e uma das causas do isolamento internacional a que foi submetido o país nestes dois anos.
Não se sabe como escapar desse enrosco.
A política externa do Brasil bolsonarista é a política de Trump.
Sem ele e com Joe Biden, o enrosco vai aumentar.
Para concluir sua mensagem de Ano Novo é bastante provável que o Presidente da República justifique erros, falhas e omissões como consequência da crise mundial provocada pela pandemia.
A vitimização é um dos recursos a que mandatários incompetentes mais recorrem para justificar a sua inépcia.
Evitará comparações com líderes de outros países que, também atingidos pela covid-19, souberam superar enormes dificuldades.
Nenhum deles, por exemplo, tratou a doença letal como “uma gripezinha”.
Nem alardeou, como fez o Capitão: “Eu não vou tomar vacina e ponto final.
Minha vida está em risco?
O problema é meu”.
Jair Bolsonaro vai delirar no dia 31.
E a cada dia diminui o respeito por ele e por seus ministros, tratados em primeira página de jornais como “um círculo de patifes”.