Editorial do Jornal do Commercio desta segunda-feira, 21 de dezembro de 2020 Consagrado direito dos trabalhadores, manifestação legítima de cobrança e valorização do fruto de seu suor, a greve se torna um instrumento de negociação delicado e polêmico, quando envolve a prestação de serviços essenciais à população.
Profissionais de diversos setores, ao paralisar suas atividades, ou reduzi-las para níveis abaixo do necessário para atender às demandas coletivas, entram em choque não apenas com patrões, dirigentes, governos, e eventualmente com a Justiça.
O confronto aberto se estende ao público que é a razão de ser daquilo que fazem.
Cidadãos que não têm nada a ver com o problema terminam pagando a conta, no caso de suspensão de serviços de saúde, educação, segurança, transporte de cargas ou de lixo, abastecimento de combustíveis, de energia ou de água, por exemplo.
A vida contemporânea é complexa, e se consuma numa rede intrincada de relações da qual todos dependemos, com raras exceções e chances de autonomia.
Como se noticia diariamente, o transporte rodoviário de passageiros na Região Metropolitana do Recife é ineficiente, sem oferecer o conforto mínimo aos usuários, que reclamam do serviço mal prestado por gerações, há décadas.
O custo do sistema é caro, para a população que dele precisa fazer uso, sem outra alternativa de locomoção de massa no espaço urbano.
O complemento do metrô é mais ineficiente ainda, sucateado e à espera de investimentos que nunca chegam da gestão pública - apesar de ter alcançado razoável nível, muitos anos atrás, graças à continuidade na alocação de recursos de seguidos governos federais.
Sem o apoio ideal do metrô, os ônibus ficam superlotados, assim como os terminais, numa rotina de linhas insuficientes e veículos desconfortáveis onde os passageiros cumprem viagens penosas, caracterizadas da partida até a chegada pela demora, o estresse e a insegurança.
A greve dos rodoviários marcada para esta semana traz como fundamento o acúmulo de funções para o motorista, atuando também como cobrador.
As empresas querem reduzir custos, os profissionais, manter seus empregos e condições de trabalho.
Infelizmente a discussão sobre a eficiência permanece em segundo plano.
A crise econômica como efeito da pandemia exerce pressão dos dois lados, tendo a mediação dificultada pela natureza de um sistema metropolitano sem gestão metropolitana.
Se os vereadores do Recife aprovam a proibição da dupla função, isso não vale automaticamente para as demais cidades integrantes das rotas.
A decisão caberá à Justiça, enquanto o movimento grevista é deflagrado, e a população, mais uma vez, prejudicada.
E agora o prejuízo pode custar vidas.
O aumento da disseminação de casos de covid-19 em Pernambuco, repetindo o cenário vigente no País e no resto do mundo, pede o máximo de infraestrutura disponível para a mobilidade, e não o mínimo, a fim de evitar aglomerações nas filas dos pontos de embarque e no interior dos ônibus.
Em plena pandemia, não poderia haver pior momento para uma greve.