Costurado há mais de 20 anos, o acordo entre a União Europeia e o Mercosul está emperrado e ameaçado por causa da política ambiental do governo Bolsonaro. É o que aponta o embaixador da União Europeia no Brasil, o espanhol Ignacio Ybáñez Rubio, em entrevista exclusiva ao Congresso em Foco.
Para que as negociações avancem, adverte o diplomata, será preciso que a Europa retome a confiança no Brasil, o que exigirá do país a redução dos indicadores de desmatamento ilegal e a reformulação de sua política socioambiental, abrangendo também a proteção dos povos indígenas. “A desconfiança existe”, frisa.
Segundo Ybáñez, o acordo só será ratificado se houver alinhamento entre valores e aspirações entre os países-membros dos dois blocos. “Já levamos certo tempo comunicando ao governo brasileiro a nossa preocupação a respeito.
De alguma forma, o comissário Dombrovskis já anunciou nos parlamento [europeu] que, até que não restabeleçamos a confiança deste ponto de vista com o governo brasileiro, vai ser muito difícil de seguir adiante, primeiro com a assinatura e depois a ratificação”, afirmou o embaixador, que está desde o ano passado no Brasil com a missão de acertar com o governo brasileiro as condições para o fechamento do acordo.
Valdis Dombrovskis, da Letônia, é o comissário de Comércio da Comissão Europeia e peça-chave nas negociações da parceria comercial.
A entrevista foi concedida pelo diplomata espanhol ao Congresso em Foco sob o calor da divulgação dos dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) que indicam que o desmatamento ilegal na Amazônia cresceu 9,5% em um ano, o maior desde 2008.
Um indicativo que, na visão do embaixador europeu, as medidas adotadas pelo governo brasileiro são insuficientes e que a desconfiança do bloco em relação ao Brasil não está próxima de acabar. “Não vamos ter mudança do dia para a noite, somos conscientes disso.
Mas se continuar a aumentar o desmatamento fica claro que as medidas adotadas são insuficientes”, afirmou.
O capítulo de comércio e desenvolvimento sustentável é considerado fundamental para a celebração do acordo entre União Europeia e Mercosul.
Os europeus cobram do Brasil a apresentação de compromissos políticos e de dados que mostrem que o país está na rota do desenvolvimento sustentável, uma das premissas para a formação do maior acordo de blocos do mundo.
Para o embaixador europeu, o Brasil começou a dar um passo à frente a partir do momento em que o vice-presidente Hamilton Mourão admitiu que a situação na Amazônia é preocupante e que o Estado nunca se fez presente na região, a não ser com a presença de militares.
Reconhecer o problema, na visão do diplomata, é o primeiro passo para enfrentá-lo.
Com discurso oposto ao do seu vice, o presidente Jair Bolsonaro nega as devastações ilegais e culpa ONGs e governos estrangeiros de quererem roubar as riquezas da região com as críticas que fazem ao desmatamento crescente.
Presidente do Conselho da Amazônia, Mourão é o principal interlocutor do governo brasileiro com a Europa.
Ybáñez deixa claro que a interlocução da União Europeia é com o vice-presidente e que não se ente atingida com as declarações de Bolsonaro - voltadas, segundo ele, apenas para sua “paróquia”. “Acho que as declarações dos políticos, sejam brasileiros ou europeus, são mensagens mais para sua própria paróquia, para os votantes de seu país.
Nós não votamos no Brasil.
Acho que não são mensagens dirigidas a nós”, diz.
O diplomata conta que, ao apresentar suas credenciais de embaixador da União Europeia a Bolsonaro, ouviu do presidente que o Brasil estava disposto a cumprir os compromissos para que a parceria pudesse ser efetivada.