Por Ricardo Leitão, em artigo enviado ao blog Incompetência administrativa não se improvisa.

Necessita de metas inalcançáveis, planos mirabolantes, executores ineptos e doses crescentes de demofobia.

Além, é claro, de um presidente como Jair Bolsonaro, mestre em gerar, alimentar e ampliar crises.

Disso tudo é absurdo exemplo a política do Governo Federal de “combate” à pandemia da covid-19.

Nesse sentido, os últimos acontecimentos são generosos.

No dia 8 passado, quando o Reino Unido iniciou ampla vacinação de seus cidadãos, o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, reunido em Brasília com os governadores, anunciou que em breve divulgaria o Plano Nacional de Imunização.

Até aquele dia, a doença já matara mais de 177 mil brasileiros e contaminara quase 6 milhões.

O tempo passou e o plano não veio.

Em seu lugar o ministério apresentou uma programação de vacinação que recuou de março para janeiro de 2021.

O problema é que não existe nenhuma vacina em estoque.

Apesar desses detalhes, Pazuello usou o rádio e a televisão para afirmar que o país terá brevemente 300 milhões de doses compradas de três laboratórios, assim como assegurado o fornecimento de agulhas para as injeções.

Não citou entre as vacinas a serem adquiridas a Coronavac, produzida pelo Instituto Butantan, órgão do Governo do Estado de São Paulo. É com a Coronavac, de origem chinesa, que o governador de São Paulo, João Doria, pretende imunizar a população do estado, a partir de 25 de janeiro.

Mas antes precisa que a vacina seja registrada na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), instituição federal.

A Anvisa alega que faltam documentos para liberar o registro, o que, por enquanto, bloqueia o compromisso de Doria em relação à data.

Jair Bolsonaro e João Doria deverão ser adversários nas eleições presidenciais de 2022.

Tendo como pano de fundo milhões de mortos e infectados pela covid-19, o presidente manobra para fragilizar o governador e recebe o troco na mesma moeda.

Qual o tamanho do desgaste político de Bolsonaro se os paulistas começarem a ser vacinados antes dos demais brasileiros?

E qual o tamanho do desgaste político de Doria se ele não obtiver o registro da Coronavac na Anvisa e não puder iniciar a vacinação, em São Paulo, no dia prometido?

Após a reunião em Brasília, desabou uma tempestade de queixas.

Primeiro, Doria, acusando Bolsonaro de perseguir São Paulo e a ele, pessoalmente.

Depois, os demais governadores, lamentando que Doria vale-se da força econômica de São Paulo para encaminhar uma “solução paulista”, que exclui os demais estados.

E por fim o ministro da Saúde, que contestou Doria e, também queixoso, encerrou a reunião sem apresentar nada de concreto aos governadores.

Esses, diante da ausência de diretrizes nacionais, encaminham providências divergentes.

Uns anunciaram que vão comprar vacinas que passarem a ser utilizadas e imunizar às pressas suas populações; outros pretendem adquirir a Coronavac no Instituto Butantan; há os que vão requerer ao Supremo Tribunal Federal uma intervenção da corte junto ao Governo Federal; e outros se movimentam exigindo que os parlamentares aumentem a pressão do Congresso sobre o Governo.

Todas essas saídas são emergenciais e embutem um risco: a desarticulação das ações contra a pandemia, esforço que deve ser planejado pelo Ministério da Saúde e executado de maneira integrada e cooperativa pelas redes de saúde pública e privada.

Sempre foi assim nas campanhas nacionais de vacinação em massa, o que fez do Brasil referência mundial em iniciativas desse porte.

Não está sendo assim com a covid-19, em desrespeito aos que morreram, aos que foram infectados e à dor de seus familiares e amigos.

Quantos mais morrerão e serão infectados até que outros milhões sejam atingidos?

A incompetência administrativa não se improvisa.

Se pudesse exprimir seus sentimentos, o vírus daria um discreto sorriso e enviaria agradecimentos a Jair Bolsonaro, aquele que ironizou meses atrás: “É só uma gripezinha”.

E, em pleno surto negacionista, pontuou no dia 10 passado: “Estamos vivendo um finalzinho de pandemia”.

Naquele momento, 22 estados notificavam crescimento de mortes e infecções, sem vacinas e com UTIs lotadas.