Por Ricardo Leitão, em artigo enviado ao blog Ao fim da noite de 15 de novembro, dia da eleição, o Presidente Jair Bolsonaro distribuiu uma nota aos jornalistas.
Com a apuração ainda em andamento, dizia ter sua base política saído vitoriosa e a esquerda, derrotada.
Há muito tempo o Capitão criou uma realidade paralela e, novamente, confirmou a existência do seu mundo imaginário.
Na semana anterior à eleição, gravando “lives” no Palácio do Planalto (o que chamou de “horário eleitoral gratuito JB”, em investigação pelo Ministério Público Federal), Bolsonaro pediu votos para seis candidatos a prefeito em capitais: Celso Russomanno (São Paulo), Marcelo Crivela (Rio de Janeiro), Bruno Engler (Belo Horizonte), Delegada Patrícia (Recife), Capitão Wagner (Fortaleza) e Everaldo Eguchi (Belém).
Nenhum deles venceu a eleição no primeiro turno e os que passaram para o segundo caminham para a derrota, com uma exceção: o Capitão Wagner, em Fortaleza, que tomou as necessárias precauções sanitárias, vetando a citação do apoio de Bolsonaro em sua campanha.
Errou também o Presidente na sua previsão de derrota da esquerda.
Do contrário, a esquerda avançou.
Está no segundo turno em Porto Alegre (Manuela d´Ávila), São Paulo (Guilherme Boulos), Vitória (João Coser), Maceió (João Caldas), Recife (João Campos e Marília Arraes), Belém (Edmilson Rodrigues), Rio Branco (Socorro Neri) e Maceió (JHC).
As duas maiores derrotas do Capitão foram em São Paulo e no Recife, cidades de grande importância política, onde ele ficou sem opções para o segundo turno.
Na capital paulista passaram para a segunda rodada Bruno Covas, apoiado pelo Governador João Doria – oponente do Presidente – e Guilherme Boulos, para quem Luiz Inácio Lula da Silva pediu votos na reta final.
No Recife, disputarão a segunda rodada João Campos (PSB) e Marília Arraes (PT), adversários do bolsonarismo.
O desempenho de Bolsonaro é o pior, em comparação ao alcançado por seus antecessores, em número de prefeituras conquistadas.
De acordo com o levantamento do Departamento Interministerial de Assessoria Parlamentar, o número de prefeitos apoiados por Fernando Henrique Cardoso passou de 317 para 914, dois anos após sua posse; de 174 para 400, no caso de Lula, e de 557 para 638, com Dilma Rouseff, no mesmo período de dois anos desde as suas primeiras posses.
O cotejo será mais preciso quando concluída a apuração em todos os municípios.
Mas duas evidências já são claras: o Capitão foi derrotado nas grandes capitais, que concentram mais população, mais poder econômico e mais importância política, e não há nenhuma possibilidade de o bolsonarismo repetir, em 2020, o feito de 2018: eleger o Presidente da República, com 57 milhões de votos; três governadores, quatro senadores, 52 deputados federais e 76 estaduais.
Para Bolsonaro, o legado das urnas de 15 de novembro ficou encardido.
O DEM e o MDB se fortaleceram, o que alicerça uma candidatura de centro-direita em 2022, projeto encaminhado pelo Presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, e pelo Presidente do DEM, ACM Neto.
Caso vença no segundo turno, com Bruno Covas, o Governador de São Paulo, João Doria, também pode liderar uma candidatura presidencial do PSDB pelo centro.
E a esquerda, com os resultados municipais favoráveis, ganhou musculatura para retomar os entendimentos em torno de um nome que reúna o PT, o PDT, o PSB e o PCdoB.
Jair Bolsonaro ficou ainda mais isolado, à frente de um governo inepto e refém, no Congresso, do Centrão – um ajuntamento parlamentar que não é de direita nem de esquerda, mas abocanha oportunidades com apetite famélico. É pouco para lhe dar sustentação, em meio ao desemprego e à inflação crescentes, pandemia, popularidade em baixa e desconforto das Forças Armadas.
Perigosamente, o Capitão arrisca ser rejeitado por todos e, ao tentar reatar laços que ele mesmo esgarçou, ouvir de volta, como se fosse portador de altos índices de toxidez política: “Aproxime-se para lá”.