Por Roberto Numeriano, em artigo enviado ao blog Apenas três dias nos separam da eleição para prefeito do Recife e à Câmara Municipal.
A nossa velha, amada e invencível cidade vai decidir uma disputa histórica.
Uma disputa que ultrapassa, como em poucos casos desde 1988, o mero jogo pelo poder.
Há algo novo, aqui.
Está em disputa um sonho de cidade do presente que deve antecipar o seu futuro, um projeto de comunidade, uma ideia de irmandade recifense.
Não se trata de dizer que há algo revolucionário no ar.
Nem tampouco afirmar que a atual gestão não tem nada de positivo para mostrar.
Marília Arraes e João Campos estarão no segundo turno.
Isso é bom.
Bom porque força, desde já, um debate sobre o modelo de gestão e as prioridades sociais e econômicas para o Recife.
Há sinais de esgotamento nesse modelo, apesar dos avanços inegáveis dos últimos oito anos.
Um ponto de inflexão se impõe sobre o modelo de cidade que executamos.
Essa inflexão exige que o PSB declare o que pretende.
Ao mesmo tempo, exige saber do PT/PSOL qual o modelo de cidade que se projeta.
Qual é papel do comércio e indústria, da cultura, da mobilidade, do acesso aos serviços sociais, à educação e ao transporte de qualidade?
Com 25% dos votos válidos (Pesquisa Datafolha 11/11), e 22% das intenções de voto, Marília está a apenas 7% de João, que registrou 29%.
Desde a primeira pesquisa Datafolha (08/10), João evoluiu dentro de uma margem de erro: foi de 26% para 29% (Datafolha 11/11), enquanto Marília evoluiu de 17% para 22% no mesmo período.
Os números, comparativamente, demonstram por si uma performance estacionária de João e um avanço consistente de Marília.
Se levarmos em conta o poderio material / logístico da campanha do PSB em face dos recursos tímidos do PT/PSOL, podemos argumentar que haveria um apelo pessoal / carisma de Marília a explicar esse avanço progressivo.
Esses 29% seriam uma espécie de teto de João no primeiro turno?
Tendo que o máximo obtido pelo candidato foi 31% das intenções nas pesquisas de 22/10 e 05/11, podemos inferir que os 29% são consistentes com uma hipotética margem de erro projetada.
Creio mesmo que João terá, no primeiro turno, entre 27% e 30% dos votos, se nenhum fenômeno extemporâneo ao processo se interpor.
E correrá um sério risco de chegar ao primeiro obstáculo da corrida empatado tecnicamente com Marília.
E no caso de Marília?
Na eleição de 2018 para governador de Pernambuco eu defendi o seu nome para governadora, pelo PT.
Houve (sempre haverá) quem me criticasse pela defesa.
Creio que se ela não fosse limada / rifada pela cúpula do PT, seria um páreo duro com grande chance de empolgar e militância e vencer a eleição.
Há variáveis subjetivas que explicam minha hipótese.
Subjetivas, Numeriano?
Sim… subjetivas, pois nem tudo é matemática / estatística em Ciência Política, como pretende certa escola anglo-saxônica de cientistas políticos que tentam impor essa visão embusteira de “matematizar” tudo nas disputas eleitorais, como se isso fosse possível.
Marília, para além de ser uma liderança política, é uma mulher que representa uma renovação concreta no PT, que se esgota com a cara de quadros desgastados e refratários a mudanças.
Também tem carisma político natural.
Somente essas duas variáveis já explicam em parte a consistência de sua posição na corrida eleitoral.
As cartas estão lançadas.
Agora, caberá às coordenações de cada campanha definir a melhor tática no discurso social e político para abordar o eleitorado.
Não será fácil para ninguém.
Sobretudo para Marília, pois uma parcela significativa dos votos de Mendonça (DEM) e da delegada do ódio / preconceito é ideológica e deverá, por ódio renitente da casa-grande ao PT, migrar para João no segundo turno.
Por outro lado, creio que Marília poderá empolgar / atrair uma maioria do eleitorado indeciso.
Seja o que for, a disputa será decidida menos pelo poder econômico do que pelo coração que sonha e luta.
Tanto melhor para os recifenses.
Uma boa eleição para todos.
Roberto Numeriano é jornalista, professor, pós-doutor em Ciência Política