Por Roberto Numeriano, em artigo enviado ao blog Em todo o país, sobretudo nas principais capitais e grandes cidades, a eleição municipal assumiu um caráter plebiscitário a respeito do governo Bolsonaro.

As tendências eleitorais (minha referência maior aqui é o Ibope, desde o dia 02/10) indicam opções de voto se concentrando em candidatos às prefeituras que, quando não são opositores abertos a tudo que representa o neofascismo bolsonarista, no mínimo são adversos aos interesses político-ideológicos desse projeto reacionário do tresloucado ocupante da cadeira presidencial.

A disputa eleitoral no Recife confirma essa hipótese, com os candidatos João Campos (PSB) e Marília Arraes (PT) firmando-se como os principais nomes para um eventual segundo turno.

Pelo menos assim podemos deduzir ao ler as variáveis da 3ª pesquisa do Ibope, divulgada dia 29/10.

Ibope: João Campos permanece à frente da disputa no Recife e segunda posição continua indefinida com três candidatos tecnicamente empatados Os dois candidatos somam 49% das opções dos eleitores (Campos, com 31%; Marília, com 18%).

Nas três pesquisas percebemos um desempenho consistente de ambos nas variáveis faixa etária, grau de escolaridade, faixa de renda e sexo.

De fato, Campos integra um grupo político tradicional que se projeta já na disputa eleitoral de 2022, o qual só pontualmente, em nível nacional, perfila com alguma agenda bolsonarista no Congresso.

Já Marília, para além da questão político-ideológica per se, projeta-se para dentro do PT e para o eleitorado recifense lastreada numa herança política que ainda ecoa na memória rebelde da cidade.

Ambos são congêneres de uma mesma tradição ou raiz política cuja essência remonta a um libertarismo social já antigo, talvez mesmo situando-se no ideário das revoluções de 1817, 1824 e 1848.

Ao mesmo tempo em que esses dois candidatos se afirmam, correm por fora dois nomes que, em maior ou menor grau, representam o conservadorismo ancestral da casa-grande pernambucana, avesso às reformas socioeconômicas profundas e à presença popular efetiva no poder político.

São eles Mendonça (DEM) e Patrícia (Podemos), com 13% e 16%, respectivamente, na 3ª pesquisa Ibope.

LEIA TAMBÉM: > João Campos perdeu votos entre os evangélicos e os mais ricos > Marília Arraes cresceu com ajuda das pessoas mais instruídas e mais velhas > Mendonça Filho perdeu votos entre mais ricos e críticos da gestão Geraldo Julio > Bolsonaro tem a pior avaliação negativa entre os eleitores do Recife A premissa acima se aplica, a rigor, apenas ao candidato do DEM, dado que a candidata do Podemos não representa nada, em termos de uma identidade histórica social, ideológica ou política com os recifenses. É dessa candidatura que vou me ocupar a partir de agora, dado que, para mim, ela representa, sub-repticiamente, o projeto bolsonarista que se infiltra na disputa local tentando surfar as últimas ondas do projeto reacionário e demagógico que varreu o país em 2018, elegendo muitos políticos e aventureiros não apenas toscos, mas sobretudo corruptos. É possível deduzir três indicadores típicos desse projeto na aposta do Podemos e sua candidatura aventureira, a saber: a) Negação da política e dos políticos em geral; b) Construção de uma identidade de autoridade; e c) Afirmação de uma agenda tecnocrática com “profissionais” para gerir a coisa pública.

Essa tríade é a essência do discurso ideológico neoliberal, por sua vez uma cópia requentada do liberalismo político tradicional.

Dona Patrícia pretende fazer fumaça com essa conversa mole.

No primeiro indicador, apresentando-se como “alguém de fora”, impoluta e avessa à política, tradicional ou não.

No segundo, apresentando-se como “delegada”, como se função pública fosse índice de capacidade ou mesmo de autoridade para o que quer que seja.

E, por último, conforme a velha demagogia liberal, o seu Podemos pretende ver aboletada na Prefeitura do Recife uma elite tecnocrática cujo interesse é ter uma máquina para defender o tal Estado máximo contra os interesses populares.

Sua prédica, como seria de se esperar, começou a capturar o eleitorado conservador que até a segunda pesquisa Ibope ainda apostava em Mendonça.

Esse eleitorado, entre a segunda e terceira pesquisa, saltou da velha barca furada e nadou até o vistoso iate do Podemos.

Ele vê na aventureira candidatura potencial para disputar um eventual segundo turno.

Trata-se de um movimento natural de camadas sociais e seus interesses específicos no jogo político.

Esse é o quadro, hoje, a 16 dias da eleição.

Haveria um “teto” percentual nesse movimento no primeiro turno?

Sim.

Sempre há.

A próxima pesquisa do Ibope vai demonstrá-lo.

O teto está no fato de haver um limite no desembarque da nau do DEM (há quem seja fiel até à morte aos mitos liberais), e ao fato de dona Patrícia começar a aparecer como realmente é, como provaram as notícias reveladoras quanto ao seu racismo implícito e preconceito social em declarações insultuosas contra o povo recifense. (Aconselho buscar na internet as ideias e palavras asquerosas dessa senhora, as quais não tenho coragem de republicar aqui).

Por tudo isso (e principalmente para matar no nascedouro as trevas do bolsonarismo à espreita), é necessário estudar as candidaturas de Campos e Marília, e decidir entre as duas.

O Podemos no segundo turno significará um perigo imenso.

Projetos aventureiros sempre resultam em atraso político e desorganização social.

E é justamente a população mais pobre que sofre as consequências.

O “dito” povo que dona Patrícia tanto despreza e humilha.

Joel da Harpa diz que julgamento do STF sobre ‘bullying homofóbico’ nas escolas pode ser ameaça à família Roberto Numeriano é professor, jornalista, doutor em Ciência Política e candidato a vereador do Recife pelo Avante.