Por José Maria Nóbrega Jr.
Cientista Político, em artigo enviado ao blog Podemos iniciar o texto definindo o que é uma democracia de qualidade.
O conceito é descritivo, ou seja, busca conceituar democracia, ou qualidade democrática, dentro de uma perspectiva positiva.
A democracia é um regime político no qual há eleições livres e limpas, com periodicidade; no qual há garantias às liberdades liberais clássicas encontradas no conceito de Robert Dahl em sua obra Poliarquia; em que as forças armadas estão sob controle civil e o estado consegue dirimir conflitos violentos a torná-los exceção e não a regra.
Este conceito pode ser visto, segundo a visão de Sartori (1994, A Teoria da Democracia Revisitada.
Editora Ática), como um conceito que traz elementos normativos/valorativos e que isto impacta na tentativa de definir o conceito de democracia de qualidade, ou democracia consolidada, como sendo uma definição não-positiva.
No entanto, temos que criar mecanismos empíricos para tornar o conceito/definição de democracia consolidada, ou de qualidade, operacionalizável empiricamente.
Elencando os requisitos colocados para o preenchimento de uma democracia de qualidade, temos: 1.
Eleições livres, limpas e periódicas com amplo sufrágio; 2.
Garantias constitucionais aos direitos básicos; 3.
Garantias reais do estado de direito a tais direitos formais encontrados na constituição; 4.
Nenhuma prerrogativa política das Forças Armadas (ou baixas prerrogativas); 5.
Instituições de coerção responsivas (segurança pública; sistema de justiça criminal; judiciário independente) Vejamos que não é tarefa fácil positivar cada variável dessas que compõem o conceito de democracia de qualidade.
No entanto, não é impossível ser feito.
Eleições conforme os preceitos acima assinalados podem ser averiguadas facilmente.
Por exemplo, no Brasil há eleições nacionais e subnacionais acontecendo com regularidade desde a redemocratização.
Do ponto de vista meramente eleitoral, o Brasil é uma das democracias mais avançadas que se tem notícia entre as novas poliarquias que surgiram na terceira onda democrática.
As garantias formais dos direitos básicos – civis e políticos – estão salvaguardados na Constituição Federal de 1988, correspondendo a uma das constituições mais avançadas do ponto de vista dos direitos de cidadania.
Agora, quando focamos a capacidade do estado de direito em garantir, de forma isonômica, os direitos de cidadania garantidos formalmente na Constituição brasileira, as lacunas logo aparecem de forma enfática.
Violações aos direitos humanos, homicídios fora de controle, perseguição a jornalistas, crime violento e crime organizado dentro e fora das instituições do estado aparecem como grandes pontos maculadores do processo de consolidação democrática brasileira e, por sua vez, de sua qualidade.
Espaços reservados às Forças Armadas não foram superados com a transição da ditadura para a democracia, e os militares continuam com grande espaço em tomadas de decisão de estado que deveriam ser restritos aos civis eleitos pelo povo. É só observarmos os enclaves autoritários dentro da própria Constituição em seu artigo 142, no qual os militares são os garantes da lei e da ordem e a presença maciça deles em quadros decisórios importantes neste e em outros governos.
Quando comparamos o Brasil com as novas democracias latino-americanas mais avançadas, tais como a da Costa Rica e a do Chile, temos uma distância considerável em termos de funcionamento do estado de direito e de suas instituições coercitivas.
O crime violento, por exemplo, é muitíssimo alto no Brasil e se torna mais enfático em relação a essas duas democracias.
Enquanto as taxas de homicídios no Brasil é de 30 por cem mil habitantes, no Chile esse dado é de 4 por cem mil e na Costa Rica o dado é de 11 por cem mil.
No caso específico do Chile, 78% dos homicídios são solucionados, enquanto no Brasil 70% deles ficam sem solução.
Quando analisamos o crime violento em países de democracias consolidadas das mais avançadas, tais como a da Noruega, da Dinamarca, da França, da Nova Zelândia etc, a média de suas taxas de homicídios é menor do que um homicídio por cem mil habitantes.
Quando essa média é a dos países latino-americanos, incluindo até o Chile e a Costa Rica, ela salta para 24 homicídios por cem mil habitantes, com incríveis 82 homicídios por cem mil habitantes em El Salvador.
Ou seja, as democracias latino-americanas são vinte e quatro vezes mais violentas que as democracias consolidadas mais avançadas.
Violência e ineficácia institucional afetam diretamente a qualidade das democracias latino-americanas.
O papel das suas instituições coercitivas e as do estado de direito também revelam muito da qualidade das democracias.
Enquanto as democracias consolidadas avançadas possuem instituições de ordem e segurança pública, de justiça civil e de justiça criminal das mais avançadas, essas mesmas instituições nas democracias latino-americanas são deficitárias com lacunas em suas capacidades de manter todos em respeito.
Então, crime violento em alta tem correlação, também alta, com instituições coercitivas e do estado de direito deficitárias e de baixa performance.
Para que uma democracia seja de qualidade e, por sua vez, consolidada, é imprescindível que os preceitos das garantias constitucionais dos direitos civis e políticos estejam garantidos na prática e isso só acontece com instituições políticas coercitivas e do estado de direito funcionando a contento.
No Brasil e na América Latina, temos regimes políticos que promovem eleições conforme o conceito de democracia política positiva e procedimental da nossa vasta literatura, mas não consegue consolidar a democracia como um regime de qualidade, pois nesses países há graves violações de direitos humanos, altíssimos níveis de criminalidade violenta, crime organizado, com baixa capacidade institucional do estado de fazer valer a lei e a constitucionalidade dos direitos de cidadania.
Preenchemos os critérios um e dois da nossa definição, mas não avançamos bem nos outros critérios.
Portanto, controlar o crime, manter os militares em seus espaços profissionais, ter um aparato de segurança pública eficaz e um judiciário independente são imprescindíveis para a qualidade de uma democracia.