Por Ricardo Leitão, em artigo enviado ao blog “Não há nada tão ruim que não possa ficar pior”.

Jair Bolsonaro é um fiel seguidor dessa máxima popular.

No momento em que o Brasil se aproxima dos 160 mil mortos e 5,5 milhões de infectados pela pandemia da covid-19, o Capitão alardeou que 1) ninguém pode obrigar ninguém a tomar vacina contra o vírus; 2) nenhum brasileiro vai servir de cobaia para a vacina chinesa; 3) é ele quem vai escolher a vacina a ser usada no Brasil.

Nesse caso, provavelmente não será a chinesa, a ser produzida em São Paulo pelo Instituto Butantan.

Com as declarações, Bolsonaro introduz a politicalha rasteira em uma questão vital – a saúde dos brasileiros.

Não irá decretar a obrigatoriedade da imunização porque essa iniciativa já foi anunciada pelo Governador de São Paulo, João Doria; não pretendia adquirir a vacina chinesa porque ela será produzida pelo Butantan, uma instituição do governo de São Paulo e o governador de São Paulo é seu adversário político. Às favas, portanto, os que vão ser infectados ou morrer.

Surpresa?

Desde a confirmação do primeiro caso da doença no País, em fevereiro passado, o presidente boicota, sistematicamente, as medidas de prevenção contra a pandemia, anunciadas pelo Ministério da Saúde de seu próprio Governo.

Tratou o vírus como “uma gripezinha”, desrespeitou o distanciamento social e o uso de máscaras, recomendou medicamentos ineficazes e, como previsto, terminou contaminado.

Sua opinião contrária à vacinação obrigatória colide com a opinião de eleitores entrevistados este mês pelo Datafolha em quatro capitais – São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Recife.

Entre os ouvidos, 75% querem se vacinar contra a covid-19 e 72% querem a imunização obrigatória.

Ao tempo em que estes índices eram divulgados, o neurologista brasileiro Miguel Nicolelis, pesquisador e professor em universidades norte-americanas, alertava para o risco de uma segunda onda da pandemia no Brasil. “Somos a segunda nação em número de mortos e a terceira com mais casos”, afirmou ele. “Instituições de saúde comprovam que os números reais de casos e de mortes são ainda maiores, em razão da falta de testagem em larga escala”.

Para o neurocientista, o risco de uma segunda onda no Brasil é iminente, como já acontece na Espanha, Inglaterra, Alemanha, França, Itália, Suécia, Holanda e Portugal.

Miguel Nicolelis defende ações imediatas do Governo, em nível nacional, como formar, treinar e equipar brigadas de saúde; aumentar a testagem; estocar medicamentos e equipamentos; e iniciar uma vacinação massiva.

NE pode ter segunda onda de Covid-19, com relaxamento nos cuidados, campanhas eleitorais e vinda de turistas europeus para o verão Alguém pode informar se alguma dessas providências emergenciais está sendo adotada pelo Governo Bolsonaro?

Nesse cenário de perigo, quais os efeitos das declarações do Capitão contra a imunização obrigatória? Áulicos se apressam em defender o presidente: ele não é um inimigo da Ciência, mas um defensor dos direitos individuais garantidos pela democracia.

De acordo com tal raciocínio, cada um tem o direito de escolher se vacinar ou não.

No entanto, se tal direito levar à contaminação de outras pessoas, o direito de cada um prevalecerá sobre o direito coletivo de se manter saudável?

A palavra democracia não cabe na boca de nenhum bolsonarista de raiz, nem na boca de Jair Bolsonaro.

Eles nunca lutaram para conquistá-la, como tantos brasileiros que por isso deram até a vida.

Que democrata fake é esse que homenageou torturador no plenário da Câmara dos Deputados e participou de manifestações pela volta da ditadura militar?

Que democrata fake é esse que planejou atos terroristas no Rio de Janeiro?

Que se mantém insensível diante da morte de milhões de brasileiros pela pandemia?

Não há democracia quando os direitos individuais prevalecem sobre os direitos coletivos.

Não há política social em favor da vida quando os ganidos da morte anunciam a vitória da necropolítica.

Ao se opor à vacinação obrigatória e transformar o debate sobre a imunização em um episódio da pior politicalha, Bolsonaro atesta que o seu compromisso não é com a vida.

A sombra da morte envolve o seu entorno.

Vale lembrar sua famigerada reação ao ser informado, meses atrás, de que 100 mil brasileiros já haviam falecido, vítimas do vírus. “E daí?

Vamos todos morrer mesmo”.