Por Rodrigo Augusto Prando, em artigo enviado ao blog O enredo, aqui no Brasil, já é conhecido.
O presidente Bolsonaro, novamente, desautoriza e submete à humilhação o Ministro da Saúde.
Antes, foram Mandetta e Teich, solenemente defenestrados; o primeiro, por defender o distanciamento/isolamento social; o segundo, por não aceitar indicar a cloroquina.
Agora, é o general Pazuello, contudo, com uma diferença: os dois primeiros ministros são médicos e o atual, militar.
Portanto, seguindo a hierarquia, Pazuello já explicou, limpidamente, que “é simples assim, um manda e outro obedece”.
O caso em tela, com Bolsonaro e Pazuello, está ligado às questões atinentes à vacina produzida com tecnologia chinesa e em parceria com o Instituto Butantan, no estado de São Paulo.
O Ministro da Saúde havia se comprometido a comprar cerca de 46 milhões de doses da Coronavac, desde que fosse efetivada a aprovação pela Anvisa, como deve ser neste caso.
No entanto, no dia seguinte, Bolsonaro veio a público afirmar que tal compra não se daria, que não teria aporte do Governo Federal para a “vacina chinesa”.
Em mensagem enviada a seus ministros, o presidente asseverou: “Alerto que não compraremos vacina da China, bem como meu governo não mantém diálogo com João Doria sobre covid-19”.
Deste comunicado, é certo que o presidente não mantém diálogo com Doria, aliás, o diálogo de Bolsonaro se dá com as redes sociais, sua base de apoio mais ideológica, e não com médicos, cientistas ou outras lideranças políticas.
Mas, é cedo para afirmar que não comprará a vacina chinesa, até porque o caso pode ser judicializado e, ainda, as pressões políticas e da sociedade poderão fazer o presidente recuar.
Qual o sentido de tudo isso?
As vacinas chinesas não são confiáveis?
O tempo de pesquisa não permite confiar nos resultados?
O Instituto Butantan não oferece um serviço de qualidade cientificamente comprovada para o Brasil?
Nada disso.
A vacina de Oxford, por exemplo, está praticamente no mesmo patamar da Coronavac e tem financiamento do Governo Federal.
Então, o que está em jogo são duas dimensões: a ideológica e a política, ambas, infelizmente, colocando a saúde e a vida dos brasileiros em plano inferior.
Ideologicamente, Bolsonaro abandona o ator moderado dos últimos tempos e se volta, com vigor, às redes sociais, onde estão os bolsonaristas mais identificados ideologicamente com os valores sempre tornados públicos pelo presidente: negacionismo e postura anticientífica regados com teorias da conspiração.
Isto posto, Bolsonaro e os bolsonaristas condenam a “vacina chinesa” comunista, mas são consumidores de quase tudo o que a China produz e exporta.
Politicamente, o medo de Bolsonaro é ver Doria ganhar capital político com uma vacina que poderá imunizar paulistanos, paulistas e brasileiros.
Com isso, a narrativa de Doria ganha força ao se distanciar de Bolsonaro que, como sabemos, sempre tratou a pandemia com menoscabo.
Doria sempre fez questão de deixar clara sua pretensão presidencial e isso pode ser notado na formação de seu secretariado no governo estadual que, noutro artigo, chamei de “secretariado ministerial”, dada relevância dos nomes que estão sob liderança de Doria.
Infelizmente, a politização da vacina, como também da pandemia, tem cobrado preço enorme na vida cotidiana dos brasileiros.
Bolsonaro reanima seu presidencialismo de confrontação.
Partidos políticos já acionaram o STF e oposição volta a ventilar o impeachment como elemento capaz de dissuadir o presidente da República levando-o governar e enfrentar a pandemia, deixando a ideia da reeleição para outro momento.
Bolsonaro quer um braço de ferro.
Terá força para ganhar?
Rodrigo Augusto Prando é Professor e Pesquisador da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Graduado em Ciências Sociais, Mestre e Doutor em Sociologia, pela Unesp.