Por Ricardo Leitão, em artigo ao blog Sem dúvida, surpreende que para um bovino seja proposto cargo de tamanha proeminência na hierarquia administrativa.

Importante, então, logo explicar que não se trata, no caso, de qualquer boi.

E sim do diferenciado Boi Bombeiro, que há gerações atua, com destemor, no bioma do Pantanal.

Destaque-se ainda que o referido quadrúpede não pretende invadir, às chifradas, o espaço do titular do Meio Ambiente.

Sua intenção é operar apenas como um assessor de alta qualificação, no território crestado pelo fogo, onde nasceu, vive e não quer morrer queimado.

O debate a respeito do Boi Bombeiro já chegou aos altos escalões.

Durante audiência com senadores, a Ministra da Agricultura, Tereza Cristina, sustentou que o desastre ambiental no Pantanal seria menor se houvesse mais bois pastando no bioma. “Aconteceu o desastre porque tínhamos muita matéria orgânica seca no pasto”, afirmou a ministra. “Se tivéssemos um pouco mais de gado haveria mais pasto consumido, menos capim seco e o número de queimadas poderia ter sido menor".

Tereza Cristina não informou quantos bovinos a mais seriam necessários para capinar o pasto seco, de forma a livrar o Pantanal do fogaréu.

Com certeza, milhares, diante da dimensão da tragédia ambiental.

Em setembro, quando foram consolidadas as últimas estatísticas, houve um aumento de 180% no número de queimadas no bioma, em relação a setembro de 2019.

De janeiro a setembro de 2020, a área atingida pelo fogo chegou a 40 mil quilômetros quadrados, cerca de 30% do Pantanal.

Os números escandalizam ainda mais quando acompanhados por imagens como onças-pintadas, o maior felino das Américas, mortas pelo fogo ou com as patas queimadas pelas brasas.

Multiplicam-se relatórios, reuniões e acusações mútuas, porém o Boi Bombeiro, a que se atribuem penosas tarefas anti-incêndio, não é convidado a participar.

Conhecedor profundo do Pantanal, das plantas dos cascos às pontas dos chifres, ele teria muito a questionar.

Uma vez prevista a grande seca no bioma, por que o Governo não tomou medidas preventivas para reduzir os seus efeitos?

Por que os brigadistas anti-fogo não foram contratados a tempo de combater os primeiros focos?

Por que ocorreu o desmonte proposital do sistema público de gestão ambiental?

Por que policiais militares, sem formação técnica, passaram a dirigir órgãos ambientais do Governo, substituindo pessoal qualificado?

O Boi Bombeiro não tem respostas.

No entanto, lhe incomoda tanta responsabilidade sobre o seu lombo, enquanto irresponsáveis exigem que não se aparte das toneladas de pasto misturado com cinzas intragáveis.

Paciente, o bovino mantém sua lida, de vez em quando estimulado por uma fagulha de esperança.

Enquanto a boiada era tocada para um local mais protegido do fogo, ouviu de fazendeiros que iriam em grupo a Brasília pedir uma solução ao Governo.

As chamas descontroladas estão prejudicando os negócios, em grande parte voltados para o mercado externo.

E entre as populações dos países importadores, especialmente os europeus, cresce a rejeição a produtos colhidos em regiões de meio ambiente degradado.

Ouviu também o Boi Bombeiro – dessa vez de uma arara-azul, triste com o ninho perdido para as chamas – que da mesma forma reagem os governos: fonte para financiamento de pesquisas ambientais no Brasil secaram e há risco à assinatura do acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia.

O Brasil é o mais importante integrante do Mercosul, aliança que reúne ainda a Argentina, o Uruguai e o Paraguai.

Para assinatura do acordo, os europeus exigem o cumprimento de cláusulas ambientais, o que não está acontecendo.

E o Mercosul continua sem acesso privilegiado ao mercado da União Europeia, estimado em 750 milhões de consumidores.

Solta um lamentoso mugido o Boi Bombeiro, pois sabe o tamanho do prejuízo e tem consciência de que o fogo é muito mais forte que o seu ruminar, por mais patrióticas que sejam suas intenções.

Ele precisa da ajuda de alguém, ao menos para lhe dar um pouco d’água e dizer que não recue, que vai chover, que a luta está chegando ao fim.

São esses pequenos gestos que animam o bovino, um animal do bem, capaz de salvar capivaras presas na lama endurecida pela estiagem.

Outra notícia que lhe alegrou foi saber que aumentaram as pressões para demitir o incrível Ministro do Meio Ambiente.

O Boi Bombeiro não tem nada de pessoal contra essa autoridade.

No entanto, como outros habitantes do Pantanal, gostaria de dialogar diretamente com ele e chamar sua atenção quanto à importância de providências de longo prazo.

Como se sabe (o bovino sabe), a seca no bioma tende a se estender por mais cinco anos.

Os descrentes insistem que de pouco valerão os apelos ao diálogo.

O ministro prefere observar a tragédia a bordo de um helicóptero e nunca pisou no pasto seco e queimado para ouvir as reivindicações da boiada.

Ademais porque ele não faz o que quer; faz o que o Presidente manda.

E a sensibilidade do Presidente pelo meio ambiente é igual à de uma onça-pintada por um bife de carne de soja.

Mesmo assim, com o incrível ministro de pé ou derrubado, o Boi Bombeiro não recua de seus cotidianos deveres ruminantes.

Vaidoso como qualquer vivente, alimenta uma esperança que não compartilha sequer com as silentes sucuris: se o ministro for defenestrado, pode ser ele convocado para integrar altas funções no Governo?

Honestidade, experiência e currículo poucos terão superiores aos seus.

Além de ser a sua presença na administração federal inequívoca comprovação da política de diversidade racial defendida e adotada pelo Presidente.