Por Rodrigo Augusto Prando, em artigo enviado ao blog No dia 15 de setembro foi celebrado o Dia Internacional da Democracia.
No Brasil e no mundo, a data reclama profunda atenção visto que, infelizmente, analistas e índices internacionais, indicam que a democracia tem regredido no mundo.
Não há democracia pronta e acabada, nem perfeita.
Ela é uma construção constante que exige comprometimento dos cidadãos - em suas vidas privadas e públicas -, dos atores políticos, das instituições, enfim, de todos os que, na vida coletiva, acreditam que os conflitos políticos devem ser resolvidos por meio do diálogo e à luz do Estado Democrático e de Direito.
A Freedom House, apresentando seu relatório, aponta que pelo 14º ano consecutivo a democracia tem decaído no mundo.
Pode-se, ao acessar o site (freedomhouse.org), verificar a situação mundial, cujos países são classificados em livres, parcialmente livres e não livres.
O Brasil, por exemplo, é considerado livre, numa pontuação de 75/100, tendo 31/40 em direitos políticos e 44/60 nas liberdades civis.
Na seção considerada “Visão Geral” acerca do país, temos que: “O Brasil é uma democracia que realiza eleições competitivas, e a arena política é caracterizada por um vibrante debate público.
Contudo, jornalistas independentes e ativistas sociais correm o risco de assédio e ataques violentos, e o governo tem lutado para enfrentar altas taxas de crimes violentos e violência desproporcional contra as minorias ocasionadas pela exclusão econômica.
A corrupção é endêmica nos níveis mais elevados, contribuindo para a desilusão generalizada com os partidos políticos tradicionais.
A discriminação social e a violência contra as pessoas LGBT+ continua sendo um problema sério” (tradução livre).
Já no Democracy Index 2019, da Revista The Economist em 2006, o Brasil ocupava o 42º lugar; em 2010 o 47º lugar; e, em 2019, 52º lugar.
No referido índice, o Brasil é considerado uma “democracia falha”, pois nos números (1 = pior e 10 = melhor), temos o seguinte: 1) Pluralismo e Processo Eleitoral, 6,86; Funcionamento do Governo, 5,36; Participação Política, 6,11; Cultura Política, 5,00; Liberdades Civis, 8,24; e, na Pontuação Geral, 6,86.
Teremos, neste ano, eleições municipais, nas quais elegeremos vereadores e prefeitos.
Um problema enorme é se considerar e reduzir a democracia apenas às eleições.
Assim, eleições livres fazem parte da base da democracia, sendo um dos seus alicerces, pois temos a possibilidade de eleger e de sermos eleitos, livremente, dentro das regras eleitorais e gozando plenamente dos direitos políticos.
No entanto, a configuração do sistema democrático exige outros alicerces a lhe dar sustentação, como, por exemplo, o respeito às liberdades, individuais e coletivas, liberdades de ir e vir, liberdade de pensamento, de expressão, de associação pacífica.
No que tange ao aparato estatal, deve ser preponderante a publicidade, a transparência (accountability), nas relações com a sociedade; no governo democrático o segredo é exceção e não a regra, como nos regimes autocráticos.
Outro aspecto fundamental no regime democrático, é, além das eleições livres, a rotatividade no poder, indivíduos e grupos que, por muito tempo, permanecem na condição de mando acabam por distorcer e corroer os valores democráticos e, não raro, vão se autocratizando e gerando tiranias (ainda que sob o manto da pretensa legalidade da existência de eleições).
Some-se, portanto, aos principais alicerces da vida democrática a institucionalidade e a legalidade.
As instituições devem funcionar e atuar de acordo com princípios legais, cujas regras e normas sejam claramente definidas para todos, indistintamente.
Em relação à divisão tripartite do poder, há o Executivo, o Legislativo e o Judiciário e todos devem atuar dentro de suas funções e de maneira harmoniosa com os outros poderes, já que, assim, servirão de freios e contrapesos em relação uns aos outros.
E, no Estado Democrático e Direito, a legalidade, o império da lei, deve prevalecer, com uma Justiça e Tribunais independentes, ou seja, sem intervenção política ou de interesses econômicos.
A sociedade brasileira, em sua estrutura social, apresenta um arraigado autoritarismo.
Geralmente, nas relações políticas ou nas mais diversas relações de mando e de obediência, confunde-se a autoridade com o autoritarismo.
Há tempos leio nas redes sociais de Augusto de Franco, escritor e estudioso da democracia, que não há democracia sem democratas.
E ele tem razão.
Vivemos, aqui e alhures, um déficit de democratas e de lideranças democráticas.
Certa feita, numa discussão política, nas redes sociais, questionei meu interlocutor se, para ele, a democracia era importante, um valor inegociável.
Não respondeu.
Insisti.
Não respondeu, novamente.
Insisti e a resposta foi uma vaga “a democracia é uma ideia romântica”.
Democracia, portanto, não se limita às eleições.
Ela está ligada a um sistema político valorizador do diálogo (da força do argumento em detrimento do argumento da força), numa disputa em que o adversário não seja encarado como inimigo e que a maioria respeite o direito à existência da minoria.
Uma democracia intensa deve apresentar eleições livres, rotatividade no poder, respeito às liberdades, transparência do Estado e dos Poderes, institucionalidade e legalidade.
No limite, a democracia deve ser aceita e praticada em nossa vida cotidiana, em nossas famílias, nas organizações, nas escolas e universidades, no nível micro e macrossociológico.
Rodrigo Augusto Prando é professor e pesquisador da Universidade Presbiteriana Mackenzie, do Centro de Ciências Sociais e Aplicadas.
Graduado em Ciências Sociais, Mestre e Doutor em Sociologia, pela Unesp de Araraquara.