Por Ricardo Leitão, em artigo enviado ao blog O general Golbery do Couto e Silva foi o mais importante teórico da doutrina de segurança nacional, base ideológica dos militares que lideraram o Golpe de 1964.
Falecido em 1987, aos 76 anos, Golbery assumiu a Secretaria da Casa Civil, em 1974, no Governo de Ernesto Geisel, e lá permaneceu até 1981, no Governo de João Figueiredo, quando abandonou a vida pública.
A capacidade de articulação lhe valeu os apelidos de “O Bruxo”, “Mago da Abertura” e “Gênio da Raça” – este dado pelo cineasta Glauber Rocha, seu confesso admirador.
Ao lado dos chamados “oposicionistas responsáveis”, como Tancredo Neves e Thales Ramalho, o general conduziu os entendimentos que desembocaram na transição negociada para a democracia.
Mas Golbery do Couto e Silva sempre foi um homem de direita, com formação superior em escolas militares nos Estados Unidos e uma carreira no Exército ocupando postos destacados na área de inteligência.
Em junho de 1964, três meses depois do golpe, fundou e passou a dirigir o Serviço Nacional de Informações.
O SNI tinha por missão centralizar e analisar dados sensíveis sobre a segurança nacional e remetê-los à Presidência da República.
O Serviço, no entanto, não tardou em se transformar em eficiente braço de apoio da repressão.
Infiltrava agentes nas universidades, empresas e entidades públicas, sindicatos e instituições religiosas.
Valia-se de grampos telefônicos, censura, violação de correspondências e investigações ilegais.
Articulava-se com agências internacionais, a exemplo da norte-americana CIA, e com a Operação Condor, mobilização conjunta das ditaduras sul-americanas contra grupos de guerrilha urbana.
Ao pedir demissão do Governo Figueiredo, em agosto de 1981, desiludido com os rumos da abertura política e com a explosão de bombas terroristas da extrema direita, Golbery desabafou, ao ser questionado sobre o futuro do SNI: “Ajudei a criar um monstro…” Por muito tempo o monstro se alojou nas piores memórias dos opositores à ditadura, com suas temidas fichas de suspeitos, que muitas vezes se tornaram senhas para prisões, torturas e assassinatos.
Com a redemocratização, o SNI foi extinto e, em 1999, no governo Fernando Henrique Cardoso, substituído pela Agência Brasileira de Inteligência.
Cabe à Abin a produção de relatórios sobre conjunturas e cenários, nacionais e internacionais, além de análises sobre fatos e personalidades de interesse institucional.
Nada disso devia ser objeto das preocupações do Ministério da Justiça e da Segurança Pública do governo Jair Bolsonaro, hoje chefiado pelo Ministro André Mendonça.
No entanto, sob sigilo inconstitucional, passou a ser.
Mendonça não impediu que arapongas sob seu comando elaborassem um dossiê a respeito de 567 adversários políticos do Presidente.
Grande parte destes são funcionários públicos, acusados pelo Ministério de tentar formar um núcleo anarquista – ideologia de esquerda surgida na Europa no século 19.
Não se sabe o que pretendia André Mendonça com os fichados no século 21, de acordo com a metodologia dos fichamentos do SNI no século 20.
O assunto provocou reação dos partidos de oposição no Congresso, que de imediato provocaram o Supremo Tribunal Federal.
O STF também não tardou.
Pelo acachapante placar de 9 votos a 1, proibiu Mendonça de solicitar ou autorizar a elaboração de dossiês de igual natureza, além de vetar integralmente a divulgação dos dados sobre os anarquistas brasileiros.
Com segurança, não se pode sustentar que as determinações do Supremo serão obedecidas.
Por André Mendonça, é provável que sim: ele é candidato a uma vaga de ministro no STF e não será conveniente melindrar seus futuros pares.
Contudo, outros dossiês contra oposicionistas podem ser produzidos a partir dos mais variados pretextos, como a necessidade de se identificar os traidores da Pátria que reagem à hidroxicloroquina.
Não faltarão tradição, empenho e arte.
Jair Bolsonaro é um entusiasta do Golpe de 1964.
Militante da direita no Exército, elaborou plano para estourar bomba em locais estratégicos no Rio de Janeiro.
Homenageou um torturador no plenário da Câmara dos Deputados.
Militarizou o comando de seu governo e controla pessoalmente as áreas essenciais da segurança.
Só falta ressuscitar o SNI para reabrir as portas dos porões do passado.
Quem sabe?
Ainda há tempo até o fim de seu mandato.