Por Ricardo Leitão, em artigo enviado ao blog Depois de o juiz Sérgio Moro ser defenestrado do governo, restou na opaca constelação de Jair Bolsonaro a estrela de Paulo Guedes, o superministro da Economia.
Sua pasta acumulou as funções dos extintos Ministérios da Fazenda, Planejamento e Indústria e Comércio, o que lhe valeu o apelido de “Posto Ipiranga”, dado pelo Presidente, em reconhecimento à sua versatilidade.
Moro simbolizava no governo o combate à corrução; Guedes simboliza a defesa da redução da máquina do Estado e dos gastos públicos, a ampliação das privatizações e a ênfase no liberalismo econômico.
Sem condições de conter as manobras do Capitão na Polícia Federal, Moro pediu demissão.
Sem conseguir aprovar reformas no Congresso, pressionado por ministros “desenvolvimentistas” e por uma exigência de gastos nestes meses pré-eleitorais, o “Posto Ipiranga” dá evidentes sinais de cansaço.
Doutor pela Universidade de Chicago (EUA), um dos berços mundiais do liberalismo econômico, Guedes é um homem rico, com fortuna estimada em R$ 800 milhões.
Foi banqueiro, empresário na área educacional, professor universitário, grande investidor na Bolsa e consultor financeiro.
Fiel à formação em Chicago, tornou-se crítico constante dos planos econômicos Cruzado, Verão, Bresser, Collor e até o Real.
Para ele, todos fadados ao fracasso pelo mesmo erro: não atacaram de frente o desafio das contas públicas, tentando equivocadamente controlar a economia pelos preços ou pelo câmbio.
Até aliar-se a Jair Bolsonaro, o superministro tornou-se alvo de cortejos multipartidários.
Por duas vezes foi convidado para uma diretoria do Banco Central.
Em 1985, por Delfim Netto, e em 1985 pela equipe de transição de Tancredo Neves, ambas recusadas.
Com a posse de Fernando Collor, em 1990, a Ministra Zélia Cardoso o chamou para a nova equipe econômica, recebendo também uma negativa.
Surgiu outra possibilidade, em 2015, quando foi convidado para um encontro com Dilma Rousseff, no Palácio do Planalto.
A conversa se estendeu por quatro horas, Guedes não recebeu nenhuma proposta e retornou aos seus afazeres financeiros.
Mas a longa reunião com a petista o convenceu de que o contexto eleitoral indicava a viabilidade de uma candidatura de centro-direita, desvinculada da “velha política”.
Apostou em Luciano Huck, porém dois anos depois o apresentador da Rede Globo desistiu da disputa.
Antes, fez um favor a Guedes: apresentou-o a Bolsonaro, que se lançava como o novo outsider, estribado em discurso conservador, multiplicado pelas redes sociais.
O futuro superministro deu ao candidato o que ele não tinha: credibilidade junto ao empresariado nacional e internacional, a chamada “turma do dinheiro grosso”.
Propagador de um nacionalismo e protecionismo toscos, Bolsonaro não tinha a confiança do mercado financeiro, que então catava um nome para conter o risco de vitória da esquerda.
O Capitão assumiu com gosto o papel de defensor da Pátria e do anticomunismo, fazendo de Guedes a sua ponte junto aos empresários.
Bons tempos.
Dezenove meses depois da posse, enfrentando uma conjuntura de crises simultâneas, os dois se deparam com o impasse comum a qualquer governo: gastar mais ou gastar menos?
Ao comentar publicamente o pedido de demissão de dois de seus secretários especiais (já são sete desde o início da gestão), desapontados com os rumos do governo, Guedes foi enfático: “Conselheiros estão estimulando o Presidente a furar o teto dos gastos.
Esse é o caminho para o impeachment”.
Bolsonaro se alarmou: de imediato, reiterou seu compromisso com o limite de gastos e a retomada das privatizações em 2021.
Determinou que o Plano Pró-Brasil e suas grandes obras sejam lançados no próximo ano, também novo prazo para a implantação de dois grandes projetos defendidos pelo Ministério da Defesa: a reestruturação da Indústria de Material Bélico (Imbel) e da Empresa Gerencial de Projetos Navais (Emgepron).
Sempre açulado por seu temperamento errático, o Presidente pode até cogitar da saída de Guedes como fez com Moro.
Porém, o precedente não é animador.
Seu ministério perdeu substância e simbolismo sem o juiz da Lava-Jato, mais ainda quando Moro foi substituído por um burocrata neobolsonarista.
As quebras de braço, contudo, sempre terminam pendendo para um dos lados.
Os que querem aumento dos gastos aquecem os músculos: “O ministro precisa liberar um dinheirinho”, ironiza o Senador Flávio Bolsonaro, filho do Presidente e notável investidor imobiliário no Rio de Janeiro.
O Centrão, base fisiológica bolsonarista no Congresso, reclama verbas para as prefeituras.
E o Capitão não arreda de sua custosa prioridade, a reeleição.
Será difícil conter a vazão do dinheiro público, especialmente neste ano, um ano eleitoral.
Contudo, é improvável que Guedes tome o mesmo caminho de Sérgio Moro e peça demissão; e que Bolsonaro, possuído por um furor persecutório, demita o superministro.
Um necessita arraigadamente do outro para que seja cumprida a mais importante missão dos dois: derrotar a esquerda na disputa da sucessão presidencial.
Não é fácil, mas também não é impossível.
Mantendo-se com 30% das intenções de voto, o Presidente partiria com vantagem na largada, mas precisaria das articulações e dos saberes de Guedes para manter ao seu lado o empresariado.
O superministro, por sua vez, não pode prescindir do Capitão para aprovar no Congresso as reformas liberais que são do interesse do “dinheiro grosso”.
Dessa forma, ainda que entre tapas e beijos, o temor da volta da esquerda em 2022 deverá mantê-los unidos.
A não ser que Jair Bolsonaro desista da política para estudar liberalismo econômico na Universidade de Chicago.