Por Ricardo Leitão, em artigo enviado ao blog O título acima é a livre tradução do inglês follow the money, expressão popularizada no livro “Todos os Homens do Presidente”, de Bob Woodward e Carl Bernstein.
Repórteres de The Washington Post, os dois realizaram, de junho de 1972 a agosto de 1974, o que é considerado um dos mais importantes trabalhos investigativos na história do jornalismo – a cobertura do chamado Escândalo Watergate.
A série de reportagens se iniciou com a prisão de cinco homens, na sede do Partido Democrata, em Washington, tentando instalar ilegalmente equipamentos de escuta telefônica.
O Democrata fazia oposição ao Presidente Richard Nixon, do Partido Republicano, então candidato à reeleição.
Woodward e Bernstein descobriram que Bernard Baker, um dos invasores, recebera em sua conta bancária um depósito de 25 mil dólares, provenientes do caixa 2 do comitê de reeleição de Nixon.
Entre outras atribuições, tinha o comitê a de financiar operações ilegais de espionagem.
No caso da invasão do escritório democrata, localizado no edifício Watergate (daí a denominação do escândalo), o objetivo era obter informações sobre a oposição e municiar a campanha presidencial de Nixon em 1972.
Woodward e Bernstein contaram com apoio de várias fontes.
Mas uma delas, a que passaram a chamar de Garganta Profunda, foi essencial.
Encontrando-se com Woodward em garagens subterrâneas, sem nunca se identificar, o Garganta orientava o trabalho dos repórteres, sempre alertando: “Siga o dinheiro!”.
Em maio de 2005, o Garganta se identificou: era Mark Felt, Diretor do FBI, a Polícia Federal dos Estados Unidos.
Por ele balizados, os dois repórteres descobriram os depósitos na conta corrente de Bernard Baker e o caixa 2 do comitê pró-reeleição de Nixon, e comprovaram que o Presidente tinha conhecimento e aprovara a invasão do escritório do Partido Democrata.
Ameaçado por um processo de impeachment, Nixon renunciou em agosto de 1974.
Seguir o dinheiro tornou-se um padrão na investigação de crimes financeiros praticados por quadrilhas de colarinho branco.
Foi assim na Operação Mãos Limpas, na Itália, na década de 1990 (“Segui i soldi”) e na Operação Lava Jato, ainda em curso, no Brasil. É um caminho a ser trilhado na investigação dos depósitos na conta bancária de Michelle Bolsonaro, pelo policial militar aposentado Fabrício Queiroz e sua mulher Márcia Aguiar?
Tais depósitos somam R$ 93 mil, de 2011 a 2016, segundo os primeiros levantamentos de repórteres da revista Crusoé e da Folha de S.
Paulo.
Queiroz, amigo do Presidente há três décadas, é investigado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro, acusado de coordenar um esquema de “rachadinha” na Assembleia Legislativa estadual.
Na época, Queiroz era assessor do então Deputado Flávio Bolsonaro, que seria um dos beneficiários do esquema.
A “rachadinha” obriga o funcionário lotado no gabinete de um parlamentar a dividir com ele metade do salário que recebe.
Segundo os promotores, o esquema operado por Queiroz movimentou na Assembleia do Rio cerca de R$ 4 milhões de reais, de 2007 a 2018.
Jair Bolsonaro só falou uma vez sobre os depósitos na conta de Michelle.
Alegou que parte deles, R$ 24 mil, era pagamento de uma dívida de Queiroz com ele, depositada na conta da primeira dama.
A respeito dos R$ 69 mil restantes, nenhuma explicação.
A movimentação dos R$ 24 mil não foi declarada à Receita Federal.
Fabrício Queiroz é considerado um homem bomba nos corredores do poder, em Brasília e no Rio de Janeiro.
Quando assessor do Deputado Estadual Flávio Bolsonaro, nomeou para seu gabinete parentes e amigos – entre eles Adriano da Nóbrega, chefe de milicianos e assassinos de aluguel.
Uma das filhas de Queiroz, Nathalia, foi funcionária fantasma do então Deputado Federal Jair Bolsonaro.
Era lotada em Brasília e, simultaneamente, professora de ginástica no Rio de Janeiro.
Ganha uma caixa de hidroxicloroquina, autografada pelo Presidente, quem acreditar em qualquer versão dada por ele para os depósitos de quase R$ 100 mil reais na conta de Michelle Bolsonaro.
Mas os brasileiros têm direito a explicações, uma vez que o assunto envolve autoridades de elevado calibre.
Afinal, como o dinheiro saiu das mãos de Queiroz – investigado por crime financeiro – e foi creditado na conta bancária da primeira dama?
Não se trata de exigência de oposição provinciana, do contrário: trata-se de um direito de todos comprometidos com a ética na política e o combate à corrupção.
Vale lembrar que essas foram duas bandeiras da campanha presidencial do Capitão em 2018, ao lado da construção de “um novo Brasil”.
No entanto, dezenove meses após a posse, a sensação dos brasileiros – segundo as pesquisas – é que a situação do País piorou.
E não só por conta da alarmante incompetência administrativa do Governo, mas também pela insensibilidade de Bolsonaro diante dos 3 milhões de infectados e 100 mil mortos pela pandemia.
Faltava um caso de corrupção na família.
Talvez agora não falte mais.
De qualquer forma, valerá seguir o dinheiro.