Por Ricardo Leitão, em artigo enviado ao blog As manobras golpistas de Jair Bolsonaro são tão primárias que parecem ter as digitais do filho 03, Carlos, estrategista-mor da extrema direita no Brasil: diante da possibilidade crescente de ser derrotado na eleição presidencial do próximo ano, o caminho de sua Excelência é tumultuar sua realização, argumentando que as urnas eletrônicas serão fraudadas.

O argumento é velho e mentiroso.

Em uso no Brasil há 25 anos, fiscalizadas e auditadas a cada eleição municipal, estadual e nacional, as urnas eletrônicas sempre se mostraram seguras e confiáveis, garantindo a rápida apuração dos votos.

No entanto, nada disso impede a escalada das ameaças do presidente da República: “A urna eletrônica pode ser fraudada.

Foi o que aconteceu em 2018.

O que assegura eleições limpas é o voto impresso”, afirmou. “Se não tiver voto impresso não vai ter eleição”.

Até o dia 2 passado, o discurso autoritário poluiu a democracia como um cano de esgoto rachado, espalhando dejetos pelas ruas.

Naquele dia, o Poder Judiciário reagiu, com a objetividade e a energia que a emergência anticonstitucional exigia.

Em nota pública, nove ministros do Supremo Tribunal Federal e nove ex-presidentes do Tribunal Superior Eleitoral defenderam as urnas eletrônicas: “A contagem manual de cerca de 150 milhões de votos (como ocorre nas eleições presidenciais) significará a volta ao tempo das mesas apuradoras, cenário de fraudes generalizadas que marcaram a história”, pontuaram os representantes do STF e TSE.

No mesmo dia 2, na ação mais contundente contra as ameaças de Bolsonaro às eleições, o TSE, por unanimidade, aprovou o envio de uma notícia–crime ao STF, por suspeita de envolvimento do presidente no caso das fake news.

Também por unanimidade foi aprovada abertura de inquérito administrativo para se investigar as denúncias de Bolsonaro sobre as urnas eletrônicas. “Há coisas erradas acontecendo no país e nós precisamos estar atentos, precisamos das instituições e da sociedade civil atentas”, enfatizou o ministro Luís Roberto Barroso, presidente do TSE, ao encaminhar as votações das duas propostas.

As reações do Poder Judiciário às manobras golpistas não pararam por aí.

No discurso de reabertura dos trabalhos do STF, o presidente Luiz Fux foi igualmente enfático: “A harmonia e a independência entre os Poderes não implicam impunidade de atos que exorbitem o necessário respeito às instituições”, sustentou Fux. “O Judiciário precisa vislumbrar o momento adequado para erguer a voz diante de eventuais ameaças”.

Se for condenado em um dos processos, a consequência para Bolsonaro poderá ser a impugnação de sua candidatura em 2022.

Em situações assim caberia prudência.

Contudo, prudência não é uma das qualidades de Sua Excelência.

Do contrário, ele acredita que deve se manter no ataque e aumentar a pressão.

Serve de modelo o seu mentor espiritual, Donald Trump.

Para tentar escapar da derrota, o ex-presidente dos Estados Unidos denunciou que os votos enviados pelos Correios seriam fraudados, o que tornaria ilegal a vitória de Joe Biden.

A Justiça recusou as ações, mas Trump ganhou a narrativa da “eleição fraudada”.

Trocando-se Trump por Bolsonaro e votos pelos Correios por urnas eletrônicas, se tem uma das manobras golpistas mais evidentes e primárias do presidente da República.

Ele irá até os estertores na mobilização pelo voto impresso.

Sem o voto impresso e derrotado, bradará que a votação foi fraudada e poderá então convocar milicianos para tumultuar a posse do adversário vencedor.

Foi o que fez Trump, ao insuflar a invasão do Congresso norte americano por seguidores fanáticos.

Morreram cinco pessoas, dezenas ficaram feridas.

Aqui no Brasil, até agora, os fanáticos bolsonaristas restringiram-se a lançar rojões no prédio do Superior Tribunal Federal.

Os limites podem ser ultrapassados, ou não, a depender, pelo menos, da reação de três principais atores – como ensinam os cientistas políticos: a base parlamentar bolsonarista, as Forças Armadas e o povo nas ruas.

Na base parlamentar o comando é do PP, a que são filiados Ciro Nogueira, ministro da Casa Civil, e Arthur Lira, presidente da Câmara dos Deputados.

Os dois lideram o Centrão, ajuntamento partidário que nunca pregou o confronto e sim a paz, para poder usufruir de cargos e verbas públicas sem balbúrdia.

Nas Forças Armadas, ao que se saiba, não há endosso majoritário a aventuras golpistas.

Os comandantes prefeririam uma terceira via conservadora a apostar no estorvo em que se transforma Jair Bolsonaro.

Restam as ruas e, como sempre, o seu pronunciamento será decisivo na defesa da democracia.

Terão condições de fortalecer as oposições no Congresso e exigir que as Forças Armadas respeitem seus compromissos constitucionais, como reiteram que farão.

As ruas não podem parar de falar.

Depende de cada um de nós. É urgente conter e vencer o golpismo.