A Coalizão Direitos na Rede, que reúne cerca de 40 organizações acadêmicas e da sociedade civil que atuam em defesa dos direitos digitais, publicou em nota uma lista de preocupações com o impacto negativo que a eventual aprovação do relatório do PL 2630/2020, em tramitação no Senado, pode ter em termos de criminalização de usuários da rede e violação ao direito à proteção de dados e à privacidade.
A nota é reação a uma nova versão do relatório do senador Ângelo Coronel (PSD-BA), divulgada pelo parlamentar, mas ainda não protocolada no Senado.
A votação da matéria está prevista para a próxima quarta-feira (24).
O relatório do senador Coronel modifica significativamente os objetivos e a estrutura do projeto de lei original, de autoria do senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), baseada em deveres de transparência para as plataformas acerca de contas automatizadas, conteúdos pagos e moderação de conteúdos. “Caso a proposta de relatório seja votada e aprovada na semana que vem, abre-se o caminho para o Brasil ter uma lei com potencial para inviabilizar o uso das redes sociais e aplicativos de mensageria privada por grande parte da população brasileira e ter instaurado no ordenamento jurídico uma visão ultrapassada de regulação da internet, baseada na identificação massiva e na criminalização de usuários, na contramão do que o mundo democrático tem adotado e do que o Brasil, até agora, vinha sendo referência internacional”, afirma a Coalizão Direitos na Rede, em nota.
O novo relatório modifica conceitos trazidos no texto original e também o escopo de aplicação da possível futura lei.
Inaugura, por exemplo, o conceito de “conta identificada”, expressão que passa a estruturar todo o relatório.
Ao condicionar a autenticação de contas em redes sociais a um número de celular, o relatório passa a trabalhar com uma lógica excludente de acesso às redes, uma vez que desconsidera que muitos provedores de aplicações de internet não são acessados de maneira exclusiva via celular e que quem não tiver um número em operação não poderá utilizar redes sociais e serviços de mensagem.
Segundo a entidade, a previsão de identificação massiva e desproporcional dos usuários também vai de encontro ao disposto no Marco Civil da Internet e na Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais a respeito do princípio da necessidade e coleta mínima de dados, motivada por uma finalidade clara e informada ao usuário. “Tratam-se de princípios presentes em todas as recomendações internacionais sobre o tema, mas infelizmente ignorados no relatório”.
A entidade reclama, além disso que, na contramão do que organizações de direitos humanos já demandaram ao Senado Federal, em carta, o texto do relatório que deve ir a voto tem potencial de criminalizar a opinião e comportamentos rotineiros de usuários de internet - inclusive com penas exageradas. “O relatório usa termos genéricos para tornar crime uma série de condutas que, apesar de potencialmente problemáticas, podem enquadrar comportamentos rotineiros de usuários de internet.
Inclui-se nessa preocupação a criminalização da criação ou manipulação “de contas automatizadas não identificadas como tal”, por exemplo.
Além disso, forçará o Judiciário a analisar o exercício da liberdade de expressão na rede a partir de conceitos genéricos, como no novo tipo penal criado pelo texto que torna crime “veicular conteúdo que resulte em grave exposição a perigo da paz social ou da ordem econômica” ou “com a finalidade de degradar ou ridicularizar candidatos”.
Esse tipo de disposição pode se transformar em um perverso instrumento para restringir a liberdade de expressão e constranger criminalmente ativistas e jornalistas”, escrevem.
A Coalizão Direitos na Rede acredita que o relatório requer muitos aperfeiçoamentos e mais debate antes de ser votado.
Por isso, sugere que o PL 2630/2020 não seja incluído na pauta de deliberações da próxima semana e que o Senado Federal se debruce com atenção sobre o relatório proposto, para evitar os enormes riscos que ele apresenta para a liberdade de expressão, a privacidade e a segurança dos usuários da internet no país.