Por Ricardo Leitão, jornalista, em artigo enviado ao blog O número, 142, é o do artigo da Constituição que trata das atribuições das Forças Armadas.
O regramento estabelece que a elas está reservada a missão de defender o Estado de Direito e as instituições democráticas – principalmente o Poder Executivo, o Poder Legislativo e o Poder Judiciário.
Por iniciativa de qualquer um dos três, é também missão das Forças Armadas assegurar a lei e a ordem.
Indubitável, portanto, que a Constituição só reconhece como poderes o Executivo, o Legislativo e o Judiciário.
Não é atribuída às Forças Armadas nenhuma prerrogativa de poder constitucional.
Nem a de um fictício poder moderador, termo inexistente na Constituição, com o direito de agir como apaziguador na hipótese de conflito entre os três verdadeiros poderes constitucionais.
Parece claro, mas não para os bolsonaristas.
Entre seus luminares avança o entendimento de que, havendo desentendimento grave entre o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, Jair Bolsonaro - baseado no artigo (ou melhor no ardil) 142 – teria o direito constitucional de mobilizar as Forças Armadas para impor o que considere lei e ordem.
Esta interpretação já foi contestada por importantes juristas do País, pela Ordem dos Advogados do Brasil e por especialistas em legislação da Câmara dos Deputados.
E daí? questionaria o Capitão, em seu estilo.
Trata-se apenas, rebateria, de mais um esperneio da oposição.
E prosseguiria então Sua Excelência no intenso e diligente trabalho de agravar as crises sanitária, econômica e política, participando de atos antidemocráticos e investindo na desarmonia entre os poderes.
Até o momento em que, a pretexto de resolver os confrontos abertos nas ruas, convocasse seus generais para uma “ação patriótica em defesa da Pátria”.
Não é um cenário implausível.
Por enquanto, as Forças Armadas observam e não comentam publicamente a interpretação bolsonarista do artigo 142.
Inexistem alvoroços nos quarteis, porém chama atenção o silêncio obsequioso dos generais que ocupam cargos de grande destaque no governo: o Vice-Presidente Hamilton Mourão, o Ministro do Gabinete de Segurança Institucional Augusto Heleno, o Chefe da Secretaria de Governo Luiz Eduardo Ramos e Braga Neto, Ministro da Casa Civil.
Do grupo faz parte o Ministro da Defesa, o general Fernando Azevedo.
O silêncio dos quarteis e dos generais talvez decorra de uma consciência, maturada pela passagem do tempo, do desastre que foi 1964 para a imagem institucional das Forças Armadas.
Porém, esperar do Capitão e dos bolsonaristas igual maturidade é um sonho de quem não tem os coturnos no chão.
Jair Bolsonaro, eleito democraticamente com 57 milhões de votos, não tem compromisso com o regime democrático que jurou defender e respeitar.
O que lhe move é a reeleição em 2022.
Quem estiver nesse projeto é seu aliado; quem não estiver, seu inimigo.
Seja a pandemia, o desemprego, o Congresso, o Supremo Tribunal Federal ou jornalistas que perguntam demais.
O problema é que, para manter acesa a turbulência da conjuntura - da qual é o maior beneficiário –, Sua Excelência não sabe o que fazer no momento.
As Forças Armadas aceitarão a convocação a favor da “lei e da ordem”?
As polícias militares poderão ser mobilizadas?
Armar suas “milícias patrióticas” e tomar as ruas é um caminho?
Há risco de uma guerra civil?
Qual a base política que tem para lhe dar apoio?
Qualquer uma dessas opções serviria a Bolsonaro, nunca à democracia.
Ele precisa ser contido e vencido em 2022.
Se não for possível, expurgado de seu cargo, por meio das leis à disposição dos cidadãos brasileiros.