Por José Paulo Cavalcanti Filho, em sua coluna no JC desta sexta Minha mãe acabou de partir. “A morte é uma bela mulher, à qual falta somente o coração”, dizia Chateaubriand (Pensamentos).
Já meu pai se foi bem antes.
Lembro dos dias que se seguiram a essa ausência.
O mundo perdeu qualquer sentido.
E não queria ver mais ninguém.
Penso que é assim com todos.
Foi quando ligou o amigo Hélio Naslavsky.
Nasceu um neto.
E ele convidava para a festa.
Tanto insistiu que não ir seria uma grosseria desnecessária.
Fim da tarde, estávamos na maternidade do Sabin. À entrada, um berçário com 20 recém nascidos.
Notícias de vida.
E fomos andando, no corredor, em direção ao quarto.
Era o último.
Pregados nas portas que se sucediam, mensagens docemente idiotas dos pais de primeira viagem. “Cheguei, meu nome é Pedro”, por aí.
Alegria por toda parte.
Chegamos.
Hélio logo me ofereceu um puro.
Muito bom.
Cumprimentamos todos e fomos embora.
Ocorre que, ao chegar no carro, algo havia mudado.
Por dentro.
O coração, antes apertado, agora estava em paz.
Refletindo com mais vagar, à noite, penso que entendi.
Ou essa explicação passou a valer para mim somente, dá no mesmo. É que o homem nasce, vive uma vida se possível digna, cumpre seus sonhos (ou parte deles), faz amigos (muitos ou poucos).
Até que um dia se vai.
Deixando saudades.
Exatamente quando nasce o neto de algum Hélio.
Já sabendo que, mais tarde, o mesmo acontecerá com esta criança.
Que viverá seus sonhos e deixará saudades.
Quando outros netos, de outros Hélios, estarão nascendo.
E assim será, para sempre, eternamente.
Em uma entrevista à Newsweek, Woody Allen disse: “Não é que eu tenha medo da morte.
Só não quero estar ali, quando ela chegar”.
Problema é que a Ceifeira chega, sempre.
Por isso, amigo leitor, quando se vai alguém próximo, não devemos lamentar mais que o razoável.
Aqui falo só das trajetórias inteiras, claro, e não das precocemente interrompidas.
Mas se a pessoa querida viveu todo seu percurso, então foi como deveria ter sido.
Com ela, hoje.
E, amanhã, também conosco.
Enterramos nossos pais.
Como nossos filhos nos enterrarão. É a ordem natural das coisas.
Mas se “a vida é breve, a alma é vasta”, lembrava Pessoa (Soares, no Desassossego).
E enquanto for possível, nessa curta passagem terrena, há mesmo só uma tarefa que devemos cumprir com paixão.
Até o fim.
A de viver, intensamente, a gloriosa epifania da vida.