Por Ricardo Leitão, jornalista, em artigo enviado ao blog Até o final deste mês a pandemia terá infectado cerca de 700 mil brasileiros e matado outros 70 mil sem indicação segura de que a tragédia sanitária recuará.

A recessão econômica acumulada desde janeiro vai corroer em 6% o Produto Interno Bruto, levando ao desemprego 15 milhões de trabalhadores.

Debatendo-se no centro de um impasse, a radicalização política continuará esbarrando em muros e ameaçando 35 anos de democracia.

Embora pareça, não se trata de uma descrição imaginária do caos. É o Brasil de hoje, convulsionado por três graves e simultâneas crises: a pandemia, a recessão econômica e a confrontação política crescente.

De acordo com o nível de consciência da maioria, de sua organização e das atitudes da liderança, a situação pode piorar ou melhorar. É desafiador, mas não impossível, se cogitar da segunda hipótese.

Nela se rearticularia nacionalmente o combate à crise sanitária; se implantaria, de imediato, um amplo plano de enfrentamento ao desemprego e dados passos efetivos no sentido de uma relação respeitosa entre o Executivo, o Legislativo e o Judiciário.

Contudo, incansável semeador de crises, o Presidente investe na hipótese do pior.

Seus motivos são inescrutáveis, mas eficientes.

Por exemplo: o Ministério da Saúde, absolutamente essencial neste momento, há um mês continua sem um ministro efetivo, administrado interinamente por oficiais das Forças Armadas.

Não existe nenhum programa em larga escala para enfrentar o desemprego de milhões de brasileiros.

E, nos finais de semana, Bolsonaro participa de manifestações públicas antidemocráticas que defendem a volta da ditadura e pedem o fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal.

Propositadamente, Sua Excelência, eleito por 57 milhões de votos, testa os limites da democracia.

Avança e recua de acordo com os sinais captados por suas redes sociais.

Foi assim nos episódios mais recentes por ele protagonizados ou apoiados, como o discurso golpista diante do Quartel-General do Exército, em Brasília; a marcha até o STF e o desfile a cavalo na Esplanada dos Ministérios, aplaudido por milícias que reivindicavam intervenção militar.

Para os que lutaram pelas eleições diretas, em 1984, a cavalgada do Capitão representou aterradora memória.

Foi montado em um cavalo branco, empunhando uma espada, que o então Comandante Militar do Planalto, General Newton Cruz, alcunhado por Nini, tentou impedir passeata em apoio às eleições diretas, na Esplanada, em Brasília.

Da mesma forma escandalosa foi a manifestação de milícias bolsonaristas contra Ministros do Supremo.

Vestidos de preto, mascarados e portando tochas, os milicianos nada deviam às hordas racistas norte-americanas da Ku Klux Klan.

Defensora da supremacia branca e inspirada em preceitos nazistas a KKK, como é conhecida, surgiu no século 19 em reação à abolição da escravatura, perseguindo, torturando e enforcando centenas de negros.

Seriam a cavalgada, a emulação da KKK, os reiterados insultos ao Supremo e ao Congresso os novos limites testados por Bolsonaro?

Ou ele pretende mobilizar suas “milícias patrióticas” e invadir a Venezuela?

Ainda não se sabe. É mais fácil trocar a fralda de um elefante recém-nascido do que prospectar a mente do Capitão.

No entanto, para muitos, e são cada vez mais, o limite já foi alcançado.

Nas principais cidades do País as manifestações contra o autoritarismo avançam.

Entre elas um ponto em comum: a defesa da democracia como um patrimônio dos brasileiros.

Um regime que trabalha o consenso possível, no qual o dissenso é legítimo e absorvido institucionalmente.

Não há dúvida de que a reação dos democratas alimentará a tensão política.

Mas a reação é urgente e necessária.

Não há alternativa senão derrubar os muros e reconstruir as pontes. É o caminho que a sensatez indica.

Outros não semearão apenas crises – podem semear o caos.