Por José Paulo Cavalcanti Filho, em sua coluna no JC Minha mãe tinha 18 anos.
Sempre teve.
Ou pensava, e agia, como se tivesse.
O que dá no mesmo.
Para definir quem era, basta lembrar frase de Dostoiévski que vivia repetindo: “Sinto um prazer quase indecente de viver”.
Quando fez 40 anos, mandei bilhete: “Mamãe.
Não é por nada não mas a IDA começa aos 40”.
A volta veio só bem mais tarde: “Meu filho.
Esperei 40 anos para lhe responder.
A IDA pode ser que comece aos 40.
Mas a VIDA começa mesmo é aos 80”.
Num dos últimos aniversários dela, escrevi: “Me diga Dona/ Maria Lia/ Luar da noite/ Flor do meu dia/ Se brilha ainda/ A luz infinda/ Que eu perseguia”.
Essa luz findou, agora. É o destino de todos nós.
Com 92 anos, publicou livro contando histórias do passado (Recordar é Viver).
Nele, está um poema premonitório que escreveu, Ele Acreditou.
Em que dizia: Ele acreditou nos adultos E compreendeu que eles não eram sábios.
Ele acreditou na inteligência E viu que ela construiu uma bomba que pode destruir o mundo.
Ele acreditou na retidão do caráter E sofreu vendo seu pai ser perseguido por não compactuar com posturas indignas.
Ele acreditou na paixão E se queimou, portando ainda tisnas dentro da alma.
Ele acreditou na vida E a transpôs para outros seres, mas desesperou-se descobrindo quanto ela é frágil e tão facilmente extinguível!
Ele acreditou na ciência E soube que ela é provisória.
Ele acreditou em Deus E o encontrou injusto e incoerente.
Então ele acreditou na morte…
E ela não o decepcionou.
A morte nunca decepciona, dona Maria Lia tinha razão. É sempre certa.
E sempre triste.
Mas segue a vida.
Um personagem de Carlos Nejar (em A Explosão), Jordana Duarte, depois de perder aquela que a criou, “Olhava para o céu e sabia que lá estava vagando sua mãe”.
Assim seja, com todos os filhos.
Por isso ao acordar, e até fim dos tempos, a primeira coisa que farei vai ser olhar para o alto.
Na esperança de ver, pelos céus impossíveis e distantes, minha mãe passeando nos raios de uma luz infinda.
Jovem e bela.
Feliz.
Em paz.