Por Ricardo Leitão, jornalista, em artigo enviado ao blog Desde o suicídio do presidente Getúlio Vargas, em 24 de agosto de 1954, o mês ganhou fama de aziago na memória política brasileira.
Em 26 de agosto de 1961, o presidente Jânio Quadros renunciou, abrindo caminho para a crise institucional que desembocou no Golpe de 1964.
Foi em 31 de agosto de 2016 que o Congresso aprovou o impeachment da presidente Dilma Rousseff, primeiro passo para a eleição de Jair Bolsonaro dois anos depois.
Analistas veem nos acontecimentos previstos para junho traços de outros agostos.
O número de mortos e infectados pela pandemia vai continuar crescendo; também aumentará o contingente de milhões de desempregados pela recessão econômica e uma crise política, confrontando o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, irá se agravar.
Sem dúvida, uma tempestade perfeita.
Por enquanto, nenhuma voz comprometida com a estabilidade do País, no presente e no futuro, sugere para Bolsonaro destinos iguais aos que tiveram Getúlio, Jânio e Dilma.
Mas a conjuntura de desgoverno e de radicalização em que o Brasil vem sendo afogado a cada dia pode açular semeadores de ódio e vivandeiras de quarteis.
As consequências seriam imprevisíveis podendo até ferir de morte a democracia.
A contribuição do Presidente da República para o agravamento da pandemia e o aprofundamento da recessão econômica é insuperável.
Difícil esquecer que Sua Excelência considerou o ataque da covid-19 “uma gripezinha” e, até agora, não apresentou nenhum plano estrutural para enfrentar as trágicas consequências da recessão.
Pode-se até conceder ao Capitão a atenuante de que a pandemia e a recessão são crises mundiais, cujos reflexos inevitavelmente engolfarão o País.
Porém a crise política, que vai se aprofundar no próximo mês, essa não: é genuinamente nacional.
Pior, provocada por motivos que, quando levantados, Bolsonaro contesta com a veemência da sua verborragia chula.
Denunciado no Supremo Tribunal Federal por partidos de oposição, o Capitão passou a ser investigado por suspeita de falsidade ideológica, coação no curso de processo, advocacia administrativa, obstrução da Justiça, corrupção passiva privilegiada, prevaricação, denunciação caluniosa e crime contra a honra.
O conjunto da obra está sendo investigado pela Polícia Federal, sob orientação da Procuradoria-Geral da República e supervisão do STF.
Busca-se resposta a uma questão: por que Bolsonaro tentou por quatro vezes interferir politicamente em nomeações na direção da Polícia Federal – o que lhe é vedado por lei – para nomear, no comando da PF, no Rio de Janeiro, um delegado de sua “confiança pessoal”?
Nessa empreitada de quase um ano e meio, de razões por enquanto nebulosas, o presidente só alcançou êxito no final de abril passado, quando demitiu o Diretor-Geral Maurício Valeixo, aceitou o consequente pedido de demissão do Ministro da Justiça Sérgio Moro, que apoiava Valeixo, e nomeou para o Rio um superintendente de seu agrado.
Por que tanto empenho?
Bolsonaro alega que precisa ter na direção da PF no Rio (onde mora sua família) agentes que garantam a segurança de seu clã e de seus amigos.
O Capitão comete um erro: tal atribuição nunca coube à Policia Federal, mas aos agentes do Gabinete de Segurança Institucional.
Nos depoimentos dados aos investigadores da Polícia Federal e do Ministério Público Federal há outras versões para explicar a fixação do presidente da República na Superintendência da PF no Rio.
Uma das principais consta dos depoimentos do empresário Paulo Marinho, ex-aliado do Capitão e suplente de seu filho, senador Flávio Bolsonaro.
Marinho informou que uma célula bolsonarista na PF do Rio conseguiu transferir, para depois do segundo turno da eleição presidencial de 2018, a Operação Furna da Onça.
A investigação buscava suspeitos de desviar salários de servidores públicos, entre eles Fabrício Queiroz, assessor de Flávio e há décadas amigo do Capitão.
A deflagração da Operação antes do segundo turno com toda certeza criaria dificuldades para a vitória de Bolsonaro.
As providências da célula foram bem-sucedidas, segundo Paulo Marinho, tanto que a Furna da Onça só chegou às manchetes dos jornais em 8 de novembro, dez dias depois do segundo turno, quando Bolsonaro já estava eleito Presidente da República.
Na avaliação de Marinho, nomear e controlar os quadros da Superintendência seria uma forma de retribuir os serviços da atuante célula.
Cabe ao Procurador-Geral da República, Augusto Aras, solicitar que o presidente preste informações, por escrito, aos investigadores e forneça itens para serem periciados, como o seu telefone celular.
A solicitação do celular alvoroçou lideranças tardias dos anos de chumbo e as milícias digitais da extrema direita.
O assunto deixou de ser tratado como uma rotina processual – o que efetivamente é – para ganhar a forma de um ato persecutório contra “o nosso líder”.
E se o Capitão se recusar a entregar o celular?
Ele poderá ser acusado de obstrução da Justiça?
Junho começa com cheiro de agosto.
Não há prazo para conclusão das investigações.
Ao término, o Procurador-Geral Aras pode determinar seu arquivamento ou denunciar Jair Bolsonaro na Câmara dos Deputados.
Caso a denúncia seja aceita por dois terços dos parlamentares, o presidente será imediatamente afastado do cargo por 180 dias, até uma decisão final – que pode ser o impeachment. É o que determina o Estado Democrático de Direito, quaisquer que sejam os agostos.