A procuradora Silvia Regina Pontes Lopes, do Núcleo de Combate à Corrupção do Ministério Público Federal (MPF) em Pernambuco, encaminhou à Procuradoria Geral da República, nesta quinta-feira (21), um pedido urgente de ação direta de inconstitucionalidade contra a Lei Complementar Estadual 425, de 25 de março de 2020, que prevê “procedimentos especiais para contratações destinadas ao fornecimento de bens, à prestação de serviços, à locação de bens e à execução de obras necessárias ao enfrentamento da emergência em covid-19”.
A lei questionada foi sancionada pelo governador Paulo Câmara (PSB) e publicada no Diário Oficial em março.
O MPF recebeu uma representação do Ministério Público de Contas de Pernambuco (MPCO), pedindo a análise da constitucionalidade da lei estadual.
A procuradora geral Germana Laureano e o procurador Cristiano Pimentel, do MPCO, apontaram “inconstitucionalidades formais e materiais” na lei estadual.
PGR E STF A procuradora Silvia Regina Pontes Lopes encaminhou as representações do MPF e MPCO para o procurador geral da República, Augusto Aras, chefe do MPF.
A procuradora fez um pedido de urgência para a suspensão cautelar das normas, por cautelar do Supremo Tribunal Federal (STF). “Gastos vultosos estão sendo praticados, atos administrativos ilegais estão sendo convalidados, modalidades de licitação não estão sendo seguidas, além de violações ao princípio da transparência e do concurso público estão sendo praticados no Estado de Pernambuco, com a aplicação, há mais de dois meses, da Lei Complementar Estadual 425/2020”, diz a procuradora Silvia Regina.
A procuradora informou a Augusto Aras estar preocupada com supostos e possíveis “atos ilegais” do Estado de Pernambuco. “Não se olvide, ainda, que a legislação acima, aliada à falta de transparência nos gastos para o enfrentamento da Covid-19 apurada pelo MPF evidenciam grave perigo na demora, uma vez que, enquanto não suspensa a eficácia das normas atacadas, o Estado de Pernambuco continuará se utilizando da autorização normativa estadual para praticar atos ilegais e inconstitucionais”, diz a procuradora na ação.
O MPF e o MPCO aguardam o protocolo da ação no STF para os próximos dias, após análise da questão pela assessoria da Procuradoria Geral da República, em Brasília.
Alguns dos questionamentos técnicos A procuradora federal apontou outras nulidades na lei, pois violaria, segundo o MPF, normas gerais em licitações e contratos estabelecidas pela União.
No primeiro, segundo o MPF, foi criado pela lei o instituto de “termos de ajuste de cunho indenizatórios”, não previstos em legislação federal, segundo o MPF.
Pelo “termo”, o Governo do Estado receberia produtos e serviços “de boca”, sem “contrato assinado” e depois “indenizaria” o prestador de produtos ou serviços, segundo o documento do MPF.
A procuradora do Núcleo de Combate à Corrupção diz que é uma “forma precária e obscura”. “Note-se que, consoante já verificado pelo próprio MPF em procedimentos apuratórios, no Estado de Pernambuco, tem se tornado comum a prestação de serviços e contratação de bens sem a adoção do regular contrato administrativo.
Em verdade, a menção a termos de ajuste de cunho indenizatórios na Lei Complementar Estadual 425/2020, objeto da presente representação, possui o condão de legalizar prática ilícita e inconstitucional consistente no fornecimento de bens ou serviços de forma precária e obscura”, diz o documento oficial do MPF.
O MPF questiona que a lei pernambucana acabou com a necessidade de “prévio empenho” para compras da covid-19.
Segundo a procuradora do MPF, a supressão do prévio empenho pela lei pernambucana não está autorizada na legislação federal, sendo uma “violenta afronta”. “A Lei Complementar do Estado de Pernambuco 425/2020 permitiu a realização de despesas sem prévio empenho, em violenta afronta ao que dispõe o art. 60 e seguintes da Lei Federal 4.320/1964 – Normas Gerais de Direito Financeiro”, diz a representação do MPF.
O MPF também questiona a permissão, na lei pernambucana, que permitiu a “execução de fornecimento ou serviços sem a assinatura do prévio e necessário contrato administrativo”.
Para o MPF, nenhum fornecimento ou serviços poderia ser feito sem contrato assinado. “De fácil compreensão, portanto, que, ao possibilitar o início do fornecimento e a prestação de serviços sem contrato assinado, o Estado de Pernambuco violou o parágrafo único do art. 60 da Lei Federal 8.666/93, que dispõe ser nulo e de nenhum efeito o contrato verbal com a Administração”, diz a procuradora do MPF.
Outro ponto questionado pelo MPF é que “a lei estadual permitiu a adesão às atas de registro de preços até o quíntuplo das quantidades registradas na licitação”.
Segundo a procuradora do MPF, a lei federal sobre compras de covid-19 permite a aquisição até o quíntuplo em “compras nacionais” novas, mas, ainda segundo o MPF, a lei estadual liberou a aquisição até o quíntuplo “indiscriminadamente”, inclusive em licitações antigas, de antes da pandemia.
MPF e MPCO também criticaram o artigo 18 da Lei, por supostamente tentar convalidar supostos atos irregulares praticados antes da publicação da lei questionada. “Embora possa adequar a norma específica à realidade local, o ente federado não possui autorização constitucional ou legal para convalidar atos administrativos, contratos, acordos de cooperação e instrumentos congêneres celebrados em desacordo com as normas gerais de licitação e contratos administrativos, notadamente as estampadas na Lei Federal 8.666/93.
Ao assim proceder, o ente subnacional desbordou da realidade local e editou norma de abrangência geral e com efeitos retroativos, ultrapassando a barreira de autorização normativa e violando, em seu aspecto formal, a Constituição da República”, diz a procuradora do Núcleo de Combate à Corrupção do MPF.
Foto: Divulgação Para Cristiano Pimentel, do MPCO, a norma do artigo 18 tem intuito semelhante à da medida provisória 966, do presidente Bolsonaro. “A norma estadual vai na mesma linha da medida provisória 966, de supostamente tentar blindar agentes públicos por irregularidades cometidas na pandemia.
O STF esta semana já disse que a medida provisória é inconstitucional”, explica Cristiano Pimentel, do MPCO.
Outro artigo questionado foi o 12, que estabelece que as “decisões sobre a regularidade das condutas e a validade dos atos administrativos e negócios jurídicos realizados para enfrentamento da situação de emergência decorrente do coronavírus deverão considerar a excepcionalidade da situação e as circunstâncias práticas que houverem imposto, limitado ou condicionado a ação do agente”.
Para o MPF, na norma do Governo do Estado que obriga uma forma de interpretar, há “inconstitucionalidade material, uma vez que tal forma de interpretar as condutas, os atos administrativos e os negócios jurídicos praticados também obrigam o Poder Judiciário estadual e a Corte de Contas (TCE-PE), ocorrendo, assim, violação à independência do Poder Judiciário”.