Por Rodrigo Augusto Prando, da Universidade Presbiteriana Mackenzie O mundo tal como conhecemos até o início de 2020 sairá, ao final e ao cabo, da pandemia bastante transformado.

As crises são presentes e reais e, também, terão desdobramentos no futuro.

Antes, porém, de adentrarmos nas crises vigentes cabe, penso eu, retomar a origem da palavra crise, do grego krinein, que significa separar, romper.

O título, portanto, deste artigo é uma contradição em termos, já que conjugar, significa unir de forma harmoniosa, então, teríamos uma “união harmoniosa de separação e rompimento”.

Há, agora e no horizonte, as seguintes crises: de saúde, econômica, política, institucional e social.

Vejamos.

No início do ano, logo após o carnaval, já sabíamos da presença de um novo vírus, cuja transmissibilidade era alta e sem vacina ou tratamento conhecido.

Estava longe daqui, na China e, embora prevíssemos sua chegada, não havia quem pudesse imaginar a suspenção da normalidade com graus distintos de isolamento social e até de lockdown em muitas regiões do país e do mundo.

E, de maneira cruel, a doença ceifou milhares de vidas e muitas mortes ainda serão, infelizmente, aguardadas.

A indicação de uma situação pandêmica levou à uma crise de saúde global, com colapsos dos sistemas de saúde, públicos e privados.

A necessidade de leitos de UTIs, respiradores mecânicos para os casos mais graves e um tempo grande nessa situação levou a uma decisão sancionada pela ciência e protocolos médicos: a necessidade de distanciamentos social objetivando achatar e retardar o ritmo de contágios para que se pudesse preparar as medidas para atenuar os danos já evidentes da enfermidade e de organização de novos leitos hospitalares, bem como compra de equipamentos de proteção e testes para mapear a progressão do vírus.

Não demorou para que saíssemos de termos abstratos como “grupo de risco”, “idosos”, “portadores de comorbidades” para vivenciarmos a morte real, concreta, próxima, de nossos conhecidos, amigos e entes queridos.

Essa crise chegou e se instalou aqui e acolá.

Impossível de prever, inicialmente, sua real dimensão e suas consequências.

Da crise de saúde, derivou, logicamente, ligada a ela, a crise econômica e esta resultado da necessidade de distanciamento social e da suspensão de setores da economia.

Houve - e ainda há - discussões acerca de uma pretensa escolha: salvar vidas ou salvar a economia.

Tal proposta, hoje, mostra-se incapaz de estabelecer a complexidade do fenômeno em voga.

Os que defendem a economia, a volta à normalidade, para não quebrar o país, as empresas, afirmam que o desemprego e a ausência de renda matará mais que o coronavírus.

E, por isso, culpam o isolamento social atribuindo a ele a responsabilidade pela paralisação da economia e falência de muitas empresas.

Enfatize-se que não é o isolamento que paralisa a economia e sim a presença da pandemia, não se pode, aqui, para o bem elementar da lógica, confundir causa e efeito de um fenômeno.

Países que não impuseram limites à circulação das pessoas e não levaram ao fechamento de negócios e serviços não essenciais têm perdas econômicas como aqueles que foram mais rígidos e fizeram do distanciamento social um mantra cotidiano e, até, no limite, realizaram o lockdown.

A Suécia, por exemplo, negou-se à quarentena e apresenta um número de mortos superior ao dos países escandinavos e, ainda, os efeitos para a economia serão, ao que tudo indica, tão ruim quanto ao dos países afeitos aos distintos tipos de isolamento.

As autoridades políticas suecas não menosprezaram o vírus, mas acreditaram que, primando pela liberdade individual e consciência de seus cidadãos, as pessoas manter-se-iam distantes umas das outras, além das regras de higiene e evitando aglomerações com mais de 50 pessoas.

Todos, indistintamente, países e indivíduos, serão, em maior ou menor grau, atingidos pela crise econômica, com desemprego, recessão e queda de renda.

Como há países e indivíduos mais ricos que outros, com mais capacidade de poupança e com repertório e recursos, os impactos mais fortes se concentrarão nos países em desenvolvimento e nos grupos sociais mais vulneráveis: miseráveis, pobres, moradores de rua, moradores das periferias, negros, enfim, no nosso país, as mesmas categorias que, histórica e estruturalmente, estão às margens da sociedade, dos direitos e do consumo.

Se, caro leitor, a crise de saúde e a econômica são inevitáveis, nós, no Brasil, pioramos a situação com a conjugação da crise política e institucional.

O presidente Jair Bolsonaro não conseguiu até o momento governar e apresentar a liderança que a ocasião reclama.

Seus discursos e ações vão do menoscabo em relação à gravidade da Covid-19 até à absoluta falta de coordenação no bojo do Ministério da Saúde mesclados à postura negacionista e anticientífica.

A estratégia bolsonarista, há mais de um ano, tem sido a de confrontar os atores sociais, as instituições e a própria sociedade brasileira.

Em muitos países houve ganho de capital político para presidentes e primeiros ministros.

Com Bolsonaro, houve aumento da rejeição e isolamento político em relação ao parlamento e aos estados e municípios.

Ganharam, aqui, capital político os governadores e alguns prefeitos e estes colocaram-se, em sua grande maioria, contrários aos discursos e decisões práticas do governo Bolsonaro.

Perder dois ministros da saúde durante a pandemia, especialmente porque sendo médicos discordaram da visão ideológica do presidente da república, é assaz grave.

O presidencialismo de confrontação de Bolsonaro cria, por conta própria, outra crise: a institucional.

Desdenhando da harmonia entre os três poderes - Executivo, Legislativo e Judiciário - e desprezando a ideia de que um poder serve de freio e de contrapeso em relação aos outros poderes, Bolsonaro atacou as duas instituições: Congresso Nacional e Supremo Tribunal Federal.

Deve haver cerca de 50 pedidos de impeachment contra o presidente e, no STF, ao menos três investigações voltadas direta ou indiretamente ao Presidente Bolsonaro.

Por fim, as quatro crises - de saúde, econômica, política e institucional - desemboca numa grave crise social.

Pouco se pode projetar acerca de como estará nossa sociedade até dezembro do corrente ano.

Espera-se que o poder político possa buscar equacionar os problemas reais e propor saídas e, além disso, manter a autoridade a fim de que não entremos num estado de anomia ou mesmo surtos de “estado de natureza”.

O fulcro da questão estaria, ouso arriscar, na necessidade da presença de uma liderança política responsável, conciliadora, dialógica e com pensamento organizacional e estratégico.

Uma liderança capaz de superar o que nos separa política e ideologicamente para nos unir naquilo que somos socialmente: uma país continental, com um povo trabalhador, com terras agricultáveis, com água potável, energia solar e eólica, sem catástrofes naturais ou guerras religiosas ou territoriais. À guisa de citação e conclusão, permita-me o leitor, recolocar as palavras de meu professor Marco Aurélio Nogueira, em sua obra “Em defesa da política”. “A ideia de crise política, no fundo, sugere que a crise chegou ao âmago da vida social, dificultando terrivelmente o acúmulo de energia para que se explorem os elementos virtuosos que emergem daquilo que se desagrega e se desorganiza”.

Nestas plagas, conseguimos conjugar crises e, quem sabe, consigamos força cívica assentada em valores republicanos e democráticos para superar o quadro em tela.

Rodrigo Augusto Prando é professor e pesquisador da Universidade Presbiteriana Mackenzie, do Centro de Ciências Sociais e Aplicadas.

Graduado em Ciências Sociais, Mestre e Doutor em Sociologia, pela Unesp de Araraquara.