Por Ricardo Leitão, jornalista Se tiver bom faro, Jair Bolsonaro vai sentir que o seu churrasco está queimando. É o homem errado, no lugar errado, na hora errada, atabalhoado diante de três crises simultâneas: a pandemia, a possiblidade de um impeachment e a recessão econômica.

O número de mortos e infectados pela crise sanitária não para de crescer.

Em um mês, dois médicos, Henrique Mandetta e Nelson Teich, pediram demissão do Ministério da Saúde depois de se recusarem a prescrever o protocolo de Bolsonaro contra o vírus: doses de cloroquina (remédio usado contra a malária); redução do isolamento social e retomada das atividades econômicas.

Nenhum país atingido pela pandemia seguiu essa receita.

Entre outras razões porque o uso indiscriminado da cloroquina pode provocar ataques cardíacos.

Já são 31 os pedidos de abertura de processos de impeachment protocolados na Câmara dos Deputados.

Seus proponentes – parlamentares, partidos políticos, advogados – ganham a cada dia novos argumentos.

O último deles são as denúncias do empresário Paulo Marinho, suplente do Senador Flávio Bolsonaro, filho do Capitão.

Em entrevista ao jornal Folha de S.

Paulo, Marinho informou que a operação Furna da Onça, derivada da operação Lava Jato, foi transferida no Rio de Janeiro para depois do segundo turno da eleição presidencial de 2018, de forma a não prejudicar o Capitão.

Segundo Marinho, Flávio Bolsonaro foi avisado da manobra por um delegado da Polícia Federal no Rio de Janeiro e avisou imediatamente ao pai.

Entre os envolvidos na operação Furna da Onça está Fabrício Queiroz, assessor de Flávio e amigo há décadas de Jair Bolsonaro.

Ainda segundo Marinho, a fixação do presidente em nomear um superintendente da PF no Rio de Janeiro de sua confiança pessoal – o que terminou conseguindo – teria como motivo a proteção a Fabrício Queiroz e ao grupo bolsonarista que conseguiu transferir a operação para 8 de novembro, quando o presidente já estava eleito.

A denúncia de Paulo Marinho provocou abertura de investigações na Procuradoria Geral da República e na Polícia Federal.

Mobilizou a oposição no Parlamento, que exige abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito.

E gerou um risco adicional para Jair Bolsonaro: a possiblidade de serem unificados dois processos, tendo ele como o único suspeito.

Um em que é investigado por interferir politicamente na Polícia Federal e o outro por se favorecer eleitoralmente de um vazamento criminoso perpetrado por um delegado da instituição no Rio de Janeiro.

As escaramuças da infiltração política na PF estão gravadas em uma fita de vídeo de duas horas, prova documental para as conclusões do Ministro Celso de Mello, do STF, que coordena as investigações, e para o debate político sobre o eventual processo de impeachment.

A terceira crise, a recessão econômica, começa a mostrar os traços de seu desenho.

Já são 13 milhões os brasileiros desempregados.

A Fundação Getúlio Vargas prevê que o PIB do País neste ano terá queda de 4,5%.

Quanto à falência de empresas, ainda não há estimativas seguras, sabendo-se apenas que alcançará a casa dos milhares.

Quem conhece as realizações do Governo Bolsonaro em um ano e meio vai admitir que o Capitão, assessorado por um ministério sem rumo, não tem condições de evitar que o churrasco queime na brasa.

Qual o médico de renome que aceitará a chefia do Ministério da Saúde forçado a adotar a cloroquina como terapia, de acordo com a exigência do Presidente?

Como o Capitão, isolado na Câmara dos Deputados e no Senado, conseguirá impedir um processo de impeachment?

E resistir à recessão de dimensão mundial, que inevitavelmente engolfará o Brasil?

Os que ainda alimentam resíduos de esperança falam na construção de um pacto, reunindo todos de boa vontade, comprometidos com o futuro.

Contudo, um pacto precisa estar fundamentado em planos.

Empenhar-se coletivamente em torno de que; a favor de quem; buscar quais objetivos no futuro?

Não há planos do Governo Bolsonaro articulados com o Congresso, estados, trabalhadores, profissionais liberais, empresários, a chamada sociedade civil.

Planos que sejam capazes de vencer a pandemia, enfrentar a recessão e restaurar o agonizante diálogo político.

A construção de um pacto nacional dessa envergadura é responsabilidade de todos os envolvidos e missão urgente.

Nenhuma crise vai cessar aguardando a conclusão final dos entendimentos.

Lamentável é a dúvida se o presidente da República – com seu comportamento errático e explosivo – irá sentar à mesa do pacto.

Seria uma atitude surpreendente, louvável do Capitão.

Ele não pode perder tempo, acreditando que sempre haverá uma solução mágica no fim do labirinto.

Na verdade, talvez haja apenas restos de churrasco carbonizado.