A Justiça do Estado começou a negar as primeiras medidas contra o rodízio de carros, adotado pelo governo do Estado como a mais nova tentativa de conter o contágio do coronavírus.

A oposição e o MBL Recife também entraram com ações. 1ª Câmara de Direito Público Agravo de Instrumento nº 0005835-86.2020.8.17.9000 Agravante: Fiscaliza Brasil Agravados: Estado de Pernambuco e Sr.

Paulo Henrique Saraiva Câmara Relator: Des.

Erik de Sousa Dantas Simões DECISÃO INTERLOCUTÓRIA Cuida-se de Agravo de Instrumento, com pedido de tutela recursal, interposto contra decisão proferida pelo MM.

Juiz de Direito da 4ª Vara da Fazenda Pública da Capital, Dr.

Djalma Andrelino Nogueira Júnior, que, nos autos da Ação Civil Pública nº 0022805-12.2020.8.17.2001, indeferiu a tutela antecipada requerida pela Associação Civil Fiscaliza Brasil, por não verificar a ocorrência dos seus pressupostos.

Na origem, a ora agravante persegue tutela de urgência em desfavor do Estado de Pernambuco e do Sr.

Governador Paulo Henrique Saraiva Câmara, em virtude da aplicabilidade do art. 5º, do Decreto Estadual nº 49.017, de 11 de maio de 2020, que instituiu rodízio em cidades da Região Metropolitana do Recife, em relação à circulação de veículos.

Alega que a medida desprotege a saúde pública, bem como carece de razoabilidade e proporcionalidade, pois ocasionará uma maior utilização do transporte público em detrimento dos veículos particulares, colaborando com a disseminação do Sars-CoV-2, agente patógeno causador da COVID-19.

Sustenta, inicialmente, a possibilidade de questionamento do ato pela via eleita, vez que a ação civil pública se vocaciona à defesa de interesses e direitos coletivos de qualquer natureza, conforme expõe o art. 1º, da Lei nº 7.347/85.

Aduz, ainda, ser parte legítima para o ajuizamento da ação, uma vez que seu Estatuto lhe impõe como finalidade a busca da proteção do interesse público, abrangendo-se, pois, o previsto no art. 1º, IV, c/c art. 5º, V, ‘b’, da supracitada norma legal.

Argumenta que, ainda que se considere cabível a limitação a ser feita pelo rodízio, sem a autorização expressa na Lei nº 13.979/2020, com alterações da MP nº 926/2020, deverá haver motivação amparada em recomendação da ANVISA, delineando claramente a necessidade do ato para a Região Metropolitana do Recife, conforme SL 1.315, STP 175 e SL 1309, todas de Relatoria do Ministro Dias Toffoli, sendo certo que, até o presente momento, não se tem notícia de qualquer recomendação da Anvisa nesse sentido.

Aponta a ineficácia da medida, a exemplo do Estado de São Paulo, em face do aumento dos usuários de transportes públicos, o que acarretará a possibilidade de maior transmissibilidade do Sars-Cov-2, contribuindo para o aumento do número de casos e da pressão no sistema de saúde.

Salienta que Pernambuco, como notoriamente se sabe, está com altíssima taxa de ocupação de UTIs, para pacientes mais graves em virtude da SRAG, tanto na rede pública quanto na privada.

Entende ser desnecessária a oitiva do Estado para se manifestar sobre o assunto, uma vez que o dano potencial, diante das evidências, é irreversível.

Pugna pelo deferimento da antecipação de tutela recursal (art. 1.019, I, CPC), sem a oitiva da parte contrária, no sentido de reformar a decisão agravada, determinando aos requeridos que, imediatamente, abstenham-se de promover o rodízio previsto no art. 5º, caput do Decreto Estadual nº 49.017, de 11 de maio de 2020, deixando de impor sanções aos cidadãos que não se amoldem às hipóteses lá previstas, sob pena de multa a ser arbitrada por este Egrégio Tribunal de Justiça.

Ao final, requer o provimento do Agravo, confirmando-se todos os termos da tutela recursal deferida. É o Relatório.

DECIDO.

Inicialmente, em Juízo de admissibilidade do recurso, observa-se que o presente agravo atende às disposições dos artigos 1.015, 1.016 e 1.017 do CPC/2015.

Para que seja concedida a tutela de urgência recursal, é necessário que o agravante demonstre a presença dos requisitos necessários, consoante dispõe o artigo 1.019, inciso I, 2ª parte, do Código de Processo Civil: Art. 1.019.

Recebido o agravo de instrumento no tribunal e distribuído imediatamente, se não for o caso de aplicação do art. 932, incisos III e IV, o relator, no prazo de 5 (cinco) dias: I - poderá atribuir efeito suspensivo ao recurso ou deferir, em antecipação de tutela, total ou parcialmente, a pretensão recursal, comunicando ao juiz sua decisão; (grifei) A tutela de urgência antecipada é satisfativa e será concedida para garantir a eficácia do provimento.

Vejamos o que dispõe o artigo 300 do CPC: Art. 300.

A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.

No que pertine à probabilidade do direito, não há necessidade da análise da existência, ou não, do direito posto na causa, sendo suficiente, tão somente, a prova de que esse direito é verossímil, plausível, crível.

Assim, a verossimilhança da alegação estará consubstanciada quando houver a demonstração de um elevado grau de probabilidade para o acolhimento da pretensão.

Sobre o perigo da demora, por sua vez, manifestam-se Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero, em Novo Código de Processo Civil Comentado, Revista dos Tribunais, p. 312: (…) O legislador tinha à disposição, porém, um conceito mais apropriado, porque suficientemente versátil, para caracterizar a urgência: o conceito de perigo na demora (periculum in mora).

A tutela provisória é necessária simplesmente porque não é possível esperar, sob pena de o ilícito ocorrer, continuar ocorrendo, ocorrer novamente, não ser removido ou de dano não ser reparado ou reparável no futuro.

Assim, é preciso ler as expressões perigo de dano e risco ao resultado útil do processo como alusões ao perigo na demora.

Vale dizer: há urgência quando a demora pode comprometer a realização imediata ou futura do direito.

No caso dos autos, como consignado, o agravante pugna pela antecipação da tutela, visando à determinação no sentido de que os agravados se abstenham de promover o rodízio previsto no art. 5º, do Decreto Estadual nº 49.017, de 11 de maio de 2020, caput deixando de impor sanções aos cidadãos que não se amoldem às hipóteses lá previstas, sob pena de imposição de multa diária em caso de descumprimento.

O recorrente entende que a medida terá efeito contrário ao pretendido, haja vista que o rodízio de veículos ocasionará uma maior utilização do transporte público em detrimento dos veículos particulares, colaborando com a disseminação do Sars-CoV-2, agente patógeno causador da COVID-19.

Pois bem.

O Decreto Estadual nº 49.017, de 11 de maio de 2020, dispôs sobre intensificação de medidas restritivas, de caráter excepcional e temporário, voltadas à contenção da curva de disseminação da Covid-19, restringindo, em seu art. 5º, a circulação de veículos automotores nas vias públicas, nos Municípios abrangidos pelo Decreto, exclusivamente para os fins previstos no § 1º do art. 3º, in verbis: I - atendimento de necessidades essenciais de aquisição de gêneros alimentícios, medicamentos e produtos de higiene; II - obtenção de atendimento ou socorro médico; III - prestação ou utilização de serviços bancários ou atividades análogas; IV - deslocamento ao aeroporto e terminais rodoviários; V - desempenho de atividades e serviços considerados essenciais, indicados no Anexo I.

VI - atendimento a intimação ou notificação de autoridade pública, para comparecimento presencial em hora e dia marcados; (Acrescido pelo art. 1º do Decreto nº 49.024, de 14 de maio de 2020.) VII - condução de menores de idade entre as residências dos responsáveis pela guarda compartilhada. (Acrescido pelo art. 1º do Decreto nº 49.024, de 14 de maio de 2020.) Como se sabe, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou, em 30 de janeiro de 2020, que o surto da doença causada pelo novo coronavírus (COVID-19) constitui uma Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional, o mais alto nível de alerta da Organização, conforme previsto no Regulamento Sanitário Internacional.

Em 11 de março de 2020, a COVID-19 foi caracterizada pela OMS como uma pandemia.

Milhões de casos já foram confirmados ao redor do mundo, com mais de trezentos mil óbitos em razão da doença.

A Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) e a OMS prestam apoio técnico adequado ao nosso País, sendo certo que, entre as medidas preventivas sugeridas está o isolamento social, com vistas à diminuição do número de casos, pois os sistemas de saúde público e privado não possuem condições de atender uma quantidade muito elevada de pacientes nas emergências e nos demais serviços.

Desse modo, caso não sejam observados os estudos técnicos feitos pelos especialistas em saúde, o sistema ficará mais e mais sobrecarregado e o número de mortos vai aumentar exponencialmente.

Em Pernambuco, o total de infectados na data de hoje subiu para mais de dezesseis mil, totalizando um mil, trezentas e oitenta e uma mortes em decorrência do coronavirus.

Diante desse quadro, o Governo do Estado se viu obrigado a adotar medidas mais rígidas em combate à disseminação do vírus, uma vez que muitas pessoas ainda transitam livremente pelas ruas, sem atentar para a necessidade do isolamento.

Assim, a Administração Pública, agindo em conformidade com a excepcionalidade que o momento requer, bem assim levando em conta as orientações emanadas pela Organização Mundial de Saúde, impôs as novas diretrizes como forma de forçar o isolamento social, necessário à contenção do aumento de casos da doença.

No que concerne ao alegado efeito contrário da medida, como bem consignado pelo Juiz a quo, a restrição não estimula a quebra do isolamento, ao contrário, ela “serve exatamente para desestimular a quebra do isolamento social por indivíduos que não tenham a necessidade premente de sair de casa e que, por isso, não precisarão do transporte coletivo, cujo uso ficará restrito àqueles que, sem ter carro particular, precisem sair, seja por prestarem serviços essências, seja em caso de emergências médicas, ou para outra exceção eventual, afastando a presunção que haverá maior afluxo de passageiros aos meios públicos de locomoção”.

Do mesmo modo, não há se cogitar em comparar a região metropolitana do Recife com a cidade de São Paulo, pois cada uma tem as suas peculiaridades.

Ademais, como é cediço, os atos administrativos gozam de presunção de legitimidade, de modo que não cabe ao Judiciário, de pronto, imiscuir-se na esfera de discricionariedade do Administrador.

Por conseguinte, em análise perfunctória do pedido, observo que não se encontram preenchidos os requisitos relativos à probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.

Isto posto, ausentes os requisitos autorizadores previstos no art. 1.019, I, c/c art. 300, do CPC, o pedido de tutela recursal até o julgamento definitivo INDEFIRO do Agravo de Instrumento.

Comunique-se a presente decisão ao juiz da causa.

Responda a parte agravada, querendo, no prazo legal.

Após, remetam-se os autos ao Ministério Público.

Publique-se.

Recife, 15 de maio de 2020.

Des.

Erik de Sousa Dantas Simões Relator