Por Gustavo Costa, em artigo enviado ao blog No papel, transporte coletivo urbano de passageiros está consagrado como serviço público essencial e prioritário: na Constituição; na Política Nacional de Mobilidade (Lei n. 12.587/2012); nas leis estaduais e municipais; em qualquer decreto de calamidade pública baixado pelo Brasil afora.

Não há mesmo como desistir dessa potência, caricata e burlesca, que é o Brasil “oficial” (Machado de Assis).

Só rindo.

No lamento do Brasil “real”, um vírus está matando, também, as empresas de transporte.

Por asfixia e sem cuidado: demanda e receitas reduzidas em quase 80%; pressão para preservação de milhares de empregos, mas sem contrapartida financeira; veículos circulando em viagens de fantasia burocrática; fluxo de caixa, liquidez, endividamento e desequilíbrios econômico-financeiros no limite do colapso.

Nenhum aceno do recém-descoberto federalismo cooperativo brasileiro até agora.

Ninguém quer tocar no vespeiro do transporte coletivo: enquanto a União apressou-se em salvar a aviação aérea, Estados e municípios, donos do enorme poder de regulação e fixação de preços, limitam-se à prática da modicidade tarifária, transferindo o crônico déficit da mobilidade às empresas operadoras, e delas aos usuários.

Todos esquecendo que tal atividade econômica é essencial e prioritária, grande empregadora, recolhedora de tributos e investidora em infraestrutura urbana.

E que, principalmente, serve a maioria: Vossa Excelência, o povo.

No complexo desafio de gestão da mobilidade da Região Metropolitana do Recife, não há saída sem ousadia federativa.

Em 2007, a ideia de divisão de responsabilidades e cooperação entre Estado e municípios metropolitanos inspirou o propósito do Consórcio de Transporte Metropolitano Grande Recife.

Na prática, e por omissão federativa, o Consórcio ficou reduzido ao Estado, ou, sendo mais preciso, a um apêndice de terceiro nível prioritário.

Sem dinheiro e sem propósito.

A boa ideia do Consórcio precisa ser comprada pelo Município do Recife.

Subscrevendo aumento na sua participação societária, assumindo parcela de sua gestão e atraindo, pelo exemplo, os demais municípios metropolitanos.

Que o Estado lidere tal processo.

E que todos cooperem, inclusive com aporte de recursos para o fundo garantidor, já previsto no papel, destinado ao financiamento compartilhado das políticas de mobilidade.

Os expressivos recursos levantados com multas eletrônicas seriam uma ótima fonte inicial para tal aporte financeiro.

A crise da mobilidade é velha.

Remete ao vírus do nosso descaso secular com esse serviço público elevado a essencial e prioritário apenas no papel.

As “Jornadas de Junho” de 2013 e o frustrado legado da Copa de 2014 afetaram o seu primeiro sinal vital: a política tarifária virou instrumento errático de populismo.

A pandemia toca diretamente no sinal vital das empresas operadoras.

A vacina não pode demorar.

O advogado apresenta-se como sócio de Cavalcanti Costa Advogados, Mestre em Direito Público (UFPE) e Master of Law em Direito Tributário (Queen Mary, Universidade de Londres)