Por Ricardo Leitão, jornalista Domingo de manhã, Praça dos Três Poderes, Brasília.

Entre as faixas erguidas por militantes fantasiados de patriotas, em frente ao Palácio do Planalto, uma se destaca: “Intervenção militar com Bolsonaro”.

A exigência é repetida pela turba e torna-se mais forte quando o presidente surge no alto da rampa e acena com os braços abertos.

Naquele momento, com orgulho, o capitão se integra a um ato antidemocrático e inconstitucional.

Não lhe basta.

Saúda novamente a multidão e pede a assessores que gravem a cena e a divulguem pelas redes sociais.

Vocifera: “Acabou a paciência.

Não tem mais conversa.

Não vou admitir interferência no Governo”, diz. “As Forças Armadas estão do nosso lado”.

Aparentemente, faltou combinar com as Forças Armadas.

Horas depois, o Ministro da Defesa, General Fernando Azevedo e Silva, divulga comunicado público reiterando que o Exército, a Marinha e a Aeronáutica são organizações do Estado que atuam em defesa da liberdade, da democracia, da lei, da ordem e dos princípios constitucionais.

Há um cheiro de azedo no ar.

Onde quer chegar Jair Messias Bolsonaro?

Como se ensina nas rodas da malandragem, talvez ele tenha armado e se dado mal.

Primeiro, na tentativa de interferir politicamente na Polícia Federal, o que levou ao pedido de demissão do então Ministro da Justiça Sérgio Moro.

Daí também resultando um inquérito contra ele, o capitão, no qual apenas no primeiro interrogatório Moro depôs durante oito horas.

Três ministros, que têm gabinetes no Palácio do Planalto, também poderão ser convocados a depor.

Em seguida, depara-se Bolsonaro com a obrigação de se dobrar ao pantagruélico Centrão – ajuntamento parlamentar notório pela voracidade por verbas públicas.

Há pouco tempo, o presidente tratava o Centrão como “lixo”; agora depende dos novos aliados para impedir que os processos nos quais pode ser acusado, inclusive os de impeachment, sejam instalados na Câmara dos Deputados.

Por outro lado, segundo as pesquisas, a aprovação ao governo do Capitão desaba de 40% para 25%, ao mesmo tempo que assusta a ruinosa anomia de sua administração.

Nela, tem de tudo, de episódios de natureza espiritual – como o da ministra que testemunhou aparição de Jesus Cristo no galho de uma goiabeira – a ministro que avisou aos interessados sobre plantios de maconha, com poderes etéreos, nas universidades federais.

Nas questões terrenas, se desenha disputa entre os generais do Planalto e o Ministro da Economia, Paulo Guedes, sobre o caminho que o País deve tomar para enfrentar a recessão pós-pandemia.

A essa conjuntura desafiadora se soma a incompetência do Governo em “fazer política”, como se diz em Brasília.

O capitão vive às turras com senadores, deputados federais e governadores; insulta a Imprensa; contesta autoridades médicas e não tem do seu lado nenhum órgão expressivo de representação empresarial.

Cada vez mais se consolida a ideia de que ele é incapaz de governar e seu único projeto é o de se reeleger e proteger de inquéritos policiais os três filhos parlamentares.

A dois anos e meio do fim do seu mandato, enfrentando isolamento tão precoce, o que pretende o capitão ao se misturar com militantes antidemocráticos?

Mesmo auscultando o âmago do seu íntimo (como ensinava Ariano Suassuna), talvez nem ele mesmo saiba.

O problema é que Bolsonaro tem a obrigação de governar, apesar dos permanentes delírios persecutórios.

Há diante dele um Brasil que precisa de perspectivas.

Onde dezenas de milhares de pessoas já foram contaminadas pelo vírus e outros milhares morreram e vão morrer sufocados pela doença.

Onde há 13 milhões de desempregados e outros milhões que, de tão desalentados, desistiram de procurar emprego.

Um Brasil onde pobres e miseráveis, tidos como “invisíveis”, se comprimem na porta de agências bancárias em busca de R$ 600,00 para tentar sobreviver durante um mês.

São pessoas de semblantes tristes e de poucas palavras, mas que também começam a sentir um cheiro de azedo no ar.