Impeachment é paliativo contra autoritarismo.
Precisamos de vacina Por Samuel Emílio, conselheiro nacional do Movimento Acredito Desde o início da pandemia, tornou-se impossível para qualquer cidadão informado e razoável defender as barbaridades cometidas por Bolsonaro.
Semana após semana, o Presidente vem desrespeitando as orientações de isolamento social, incitando o ódio e apoiando manifestações antidemocráticas.
Não por acaso, ressurgiram os pedidos pelo seu afastamento nos últimos meses.
Até agora, foram ignorados pela maioria dos parlamentares, que alegam que o momento é delicado e que o ideal é evitar turbulências políticas.
A preocupação é válida, contudo, os ataques às instituições feitos por Bolsonaro no último domingo e as acusações que lhe foram imputadas por Moro tornaram a discussão acerca de um impeachment inadiável.
A cada semana fica mais evidente que manter o Presidente no posto não equivale a evitar turbulências, e sim a impor enormes riscos à nossa democracia.
Não só isso, mas em um cenário de pandemia, ter como chefe do executivo alguém que despreza o conhecimento científico acarreta em milhares de mortes além das que seriam inevitáveis.
Dadas as condições, um impeachment, a depender da forma que for conduzido, pode ser a saída menos traumática para o país.
As condições corretas, no entanto, são indispensáveis para que tal processo não provoque um cenário de maior enfraquecimento das instituições.
Nos últimos anos, tivemos um exemplo claro de que, a não ser que o impedimento seja tido como legítimo por todo campo democrático, unificando-o em torno de valores comuns, ele não resolve questões nacionais, melhora índices sociais ou retoma a confiança política.
O poder não aceita vácuo, e encaminhar o afastamento de uma autoridade executiva sem um consenso de quais os pilares dos quais não abriremos mão pode deixar o espaço livre para projetos autoritários.
Principalmente quando o Presidente a ser afastado e seus remanescentes apoiadores manifestam publicamente sua atração por regimes ditatoriais. É indispensável que, ao propormos um afastamento, voltemos um passo atrás e nos perguntemos: qual é o impeachment que queremos?
Quais são os valores básicos pelos quais lutamos e não podemos ver renegados no governo por vir?
O ponto que aqui defendo é que o afastamento de Jair Bolsonaro, por si só, não garante que estaremos protegidos do autoritarismo.
Sua eleição foi fruto de um contexto de desvalorização da política, das instituições democráticas e do papel do Estado na garantia dos direitos básicos dos cidadãos.
Contexto este que ainda está dado.
A solução, de fato, só virá quando nós, sociedade brasileira, nos responsabilizamos pela construção de um novo cenário.
Necessitamos, para tanto, de um projeto coletivo de país.
Mas não qualquer projeto: um no qual o papel e a responsabilidade do Estado sejam reconhecidos e respeitados; no qual as políticas econômicas sejam incisivas e voltadas para a população mais vulnerável; no qual a redução de desigualdades seja prioridade; no qual os partidos reconheçam seu papel em zelar pela segurança institucional; e, principalmente, no qual os cidadãos prezem pela sua liberdade e pela manutenção do regime democrático.
Para isso, precisamos da atuação coordenada de diversos atores: parlamentares, líderes partidários, judiciário e, fundamentalmente, da sociedade civil. É importante que estes se articulem com base nos princípios de que o único caminho possível é a democracia e de que o fortalecimento das nossas instituições e o desenvolvimento do país precisam se sobrepor a ganhos individuais imediatos.
Aí sim, poderemos conduzir um processo de impeachment que não somente garanta a sobrevida da nossa democracia, mas que seja o primeiro passo para soluções estruturais. É hora de agir com responsabilidade, e, mais do que nunca, de olhar para a política como a única saída para a construção do que queremos para o país.
Deixar que os acontecimentos definam que tipo de sociedade vamos ser é jogar o futuro para cima, sem saber o que vai cair no nosso colo no segundo seguinte.
Caso avancemos com o impeachment, teremos que, nós mesmos, construir a trajetória do que o sucederá. É esse o convite que deixo para você, leitor: se questionar sobre qual projeto queremos colocar no lugar do atual.
E, mais importante, o que faremos, coletivamente, para colocar esse projeto em curso?
Samuel Emílio é engenheiro, coordenador nacional do movimento Acredito, consultor em diversidade e inclusão, fundador do Engaja Negritude, Fellow do Pro Líder, Guerreiros Sem Armas, e Aryrax