Por Ernani Reis, analista da Capital Research Já não é de hoje que os eventos políticos impactam diretamente o “sentimento” do mercado financeiro.

E, mesmo em meio a uma pandemia, os jogos políticos continuam surpreendendo o mercado.

O clima político no Brasil, que já não estava bom há um tempo, esquentou consideravelmente nos últimos dias e os eventos envolvendo o agora ex-ministro Sergio Moro foram o centro do furacão.

A sua saída do ministério da Justiça e Segurança Pública trouxe uma grande nuvem de incertezas e levantou perguntas sobre a conduta do presidente Jair Bolsonaro, que fica agora sem o seu principal trunfo no discurso anti-corrupção.

Ao deixar o governo, na última sexta-feira (24), Moro apontou suposta interferência de Bolsonaro em inquéritos da Polícia Federal.

Segundo o ex-ministro, o presidente decidiu trocar a direção-geral da PF porque gostaria de ter acesso a informações de inquéritos em andamento.

As acusações de Moro fizeram com que o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Celso de Mello, autorizasse, na segunda-feira (27), a abertura de inquérito para investigar Bolsonaro, a pedido do Procurador-Geral da República, Augusto Aras.

Com isso, o discurso a favor do impeachment do presidente ganhou ainda mais força.

Segundo pesquisa do Datafolha divulgada pelo jornal Folha de S.Paulo na segunda-feira (27), 45% da população se posiciona a favor do afastamento de Bolsonaro.

No entanto, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), colocou o pé no freio e afirmou que, no momento, a prioridade é o combate à pandemia e não os pedidos de impeachment.

Apesar da fragilidade criada, o presidente Jair Bolsonaro conseguiu reduzir a tensão do mercado, ao reforçar a independência e a importância do ministro da Economia, Paulo Guedes.

Para o mercado, a separação entre Bolsonaro e Moro é indesejada e deve trazer reflexos até o final do mandato.

O presidente deve sinalizar que passará a usar a sua torre, Paulo Guedes, como defesa para manter alguma vantagem no jogo de xadrez político.

De qualquer forma, as medidas do presidente ainda serão vistas com desconfiança e foram novamente alimentadas pela escolha do delegado Alexandre Ramagem, ex-chefe sua equipe de segurança durante a campanha eleitoral, como novo diretor da Polícia Federal, o que reforça as suspeitas levantadas por Moro e traz receio de possíveis intervenções no órgão, algo que corrói a ideia de controle à corrupção.

Apesar de tudo ser visto como um erro de estratégia do presidente, o evento também trouxe algumas “flexibilizações” importantes no curto-prazo, como a mudança de postura de Rodrigo Maia.

O presidente da Câmara tinha motivos para endurecer o discurso contra o governo, mas, ao contrário, sinalizou que deve colocar em pauta novamente a MP do “Orçamento de Guerra”.

A medida, que já tinha sido aprovada pela Câmara, sofreu alterações no Senado, que autoriza o governo federal a realizar gastos no combate à pandemia sem ferir a regra de ouro, que impede a União de gerar dívida para despesas correntes sem previsão orçamentária.

O movimento agradou o mercado, que reagiu bem nesta terça-feira, já que o momento pede sinergia entre os poderes e foco no combate à pandemia, alinhado ao retorno gradual das atividades, fator este que, inclusive, passa a ser alvo de cada vez mais pressão popular, à medida que indicadores econômicos ruins vão saindo, como as projeções apresentadas pelo Banco Central, que incluem uma retração de 3,34% no PIB deste ano. É uma prioridade que supera a saída de Moro, mas que não deixa de ser acompanhada de perto, já que possui grande potencial de dano ao governo.

Diante de tudo isso, só podemos concluir que a instabilidade política só atrapalha ainda mais a retomada do crescimento econômico, que já vem sendo prejudicada em detrimento do necessário combate ao coronavírus.

Por isso, é imprescindível que o Brasil encontre logo um equilíbrio, já que capacidade de recuperação econômica ainda este ano tem prazo de validade - e se encerra no final do mês de junho.