Após intervenção do ministro Alexande de Moras, do Supremo Tribunal Federal (STF), o presidente da República, Jair Bolsonaro, aparentemente desistiu de nomear o amigo Alexandre Ramagem para a direção da Polícia Federal.

Agora na posse do novo ministro da Justiça, o presidente Bolsonaro disse que ainda não abriu mão do sonho de indicar o polícial para o comando da PF.

Nesta tarde, a Advocacia-Geral da União informou que não irá apresentar recurso em face da decisão do STF que suspendeu a nomeação de Alexandre Ramagem para a direção-geral da Polícia Federal em razão de decreto publicado na tarde desta quarta-feira (29) no DOU que revoga o ato de Bolsonaro.

A jurista, advogada criminalista e mestre em Direito Penal, Jacqueline Valles, avalia que o recuo do presidente significou o retorno à normalidade democrática, já que todos os brasileiros devem obediência à Constituição Federal e o presidente da República, independentemente de partido político e orientação ideológica, não tem plenos poderes para agir como bem entender.

Bolsonaro tem a obrigação de obedecer a Constituição Federal, que regula todas as leis e ações dos governos. “Ao contrário do que o presidente disse recentemente, ele não é a Constituição.

Ele a obedece.

E isso tem que nortear todas as ações do governo federal”, aponta a criminalista.

Jacqueline disse que a ação do ministro Alexandre foi correta e que a nomeação de Ramagem feria os princípios constitucionais da impessoalidade e da moralidade. “Ramagem é amigo da família Bolsonaro.

Sabemos que dois de seus filhos são alvos de investigações da PF.

Além disso, as próprias declarações do presidente na semana passada, confirmando que tinha que ter um relacionamento direto com o diretor-geral para que soubesse do andamento de todas as investigações, demonstra uma vontade de impor seus interesses mais pessoais, o que é incompatível com qualquer agente público, cujos atos deveriam ser determinados por princípios da Constituição Federal”, argumenta.

Os principais trechos da decisão do ministro Alexandre de Moraes que barrou a indicação de Bolsonaro à chefia da Polícia Federal Em respeito à Separação de Poderes, o Presidente da República, como força motriz na condução do Estado nos regimes presidencialistas, acumula as chefias de Estado e de Governo, competindo-lhe a chefia da administração pública federal e a livre nomeação de seus ministros, secretários e funcionários de confiança, no intuito de imprimir o direcionamento na condução dos negócios políticos e administrativos do país.

Observe-se, contudo, que com tão amplas atribuições e caracterizado pela concentração de poder pessoal na figura do Presidente, o sistema presidencialista garantiu sua imparcial e livre atuação, balizada necessariamente, pelos princípios constitucionais e pela legalidade dos atos do Chefe do Poder Executivo, a fim de manterem-se a independência e a harmonia dos Poderes da República;.

Assim, para efetivar-se verdadeiramente a denominada “Constituição equilibrada” defendida por BLACKSTONE, se por um lado, no exercício de suas atribuições, ao Presidente da República está assegurado o juízo de conveniência e oportunidade para escolher aqueles que entender como as melhores opções para o interesse público no âmbito dos Ministérios e, como na presente hipótese, na definição da chefia da Polícia Federal, por outro lado, o chefe do Poder Executivo deve respeito às hipóteses legais e moralmente admissíveis, pois, por óbvio, em um sistema republicano não existe poder absoluto ou ilimitado, porque seria a negativa do próprio ESTADO DE DIREITO, que vincula a todos – inclusive os exercentes dos poderes estatais – à exigência de observância às normas constitucionais.

A escolha e nomeação do Diretor da Polícia Federal pelo Presidente da República (CF, art. 84, XXV e Lei Federal 9.266/1996, art. 2º-C), mesmo tendo caráter discricionário quanto ao mérito, está vinculado ao império constitucional e legal, pois, como muito bem ressaltado por JACQUES CHEVALLIER, “o objetivo do Estado de Direito é limitar o poder do Estado pelo Direito” (L’Etat de droit.

Paris: Montchrestien, 1992. p. 12).

Logicamente, não cabe ao Poder Judiciário moldar subjetivamente a Administração Pública, porém a constitucionalização das normas básicas do Direito Administrativo permite ao Judiciário impedir que o Executivo molde a Administração Pública em discordância a seus princípios e preceitos constitucionais básicos, pois a finalidade da revisão judicial é impedir atos incompatíveis com a ordem constitucional, inclusive no tocante as nomeações para cargos públicos, que devem observância não somente ao princípio da legalidade, mas também aos princípios da impessoalidade, da moralidade e do interesse público.

Dessa forma, a Constituição Federal permite a apreciação dos atos administrativos discricionários pelo Poder Judiciário, quando o órgão administrativo utilizar-se de seu poder discricionário para atingir fim diverso daquele que a lei fixou, ou seja, quando ao utilizar-se indevidamente dos critérios da conveniência e oportunidade, o agente desvia-se da finalidade de persecução do interesse público.

O Estado de Direito exige a vinculação das autoridades ao Direito, e, portanto, as escolhas e nomeações realizadas pelo Presidente da República devem respeito aos princípios constitucionais regentes da Administração Pública, podendo, excepcionalmente nesse aspecto, o Poder Judiciário analisar a veracidade dos pressupostos fáticos para a sua celebração (motivo).

O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, portanto, tem o dever de analisar se determinada nomeação, no exercício do poder discricionário do Presidente da República, está vinculada ao império constitucional, pois a opção conveniente e oportuna para a edição do ato administrativo presidencial deve ser feita legal, moral e impessoalmente pelo Presidente da República, podendo sua constitucionalidade ser apreciada pelo Poder Judiciário (…) Nesse contexto, ainda que em sede de cognição inicial, analisando os fatos narrados, verifico a probabilidade do direito alegado, pois, em tese, apresenta-se viável a ocorrência de desvio de finalidade do ato presidencial de nomeação do Diretor da Polícia Federal, em inobservância aos princípios constitucionais da impessoalidade, da moralidade e do interesse público.

São fatos notórios, além de documentados na inicial, que, em entrevista coletiva na última sexta-feira, dia 24/4/2020, o ainda Ministro de Estado da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Fernando Moro, afirmou expressa e textualmente que o Presidente da República informou-lhe da futura nomeação do delegado federal Alexandre Ramagem para a Diretoria da Polícia Federal, para que pudesse ter “interferência política” na Instituição, no sentido de “ter uma pessoa do contato pessoal dele”, “que pudesse ligar, colher informações, colher relatórios de inteligência”.

Essas alegações foram confirmadas, no mesmo dia, pelo próprio Presidente da República, também em entrevista coletiva, ao afirmar que, por não possuir informações da Polícia Federal, precisaria “todo dia ter um relatório do que aconteceu, em especial nas últimas vinte e quatro horas”.

Em virtude dessas declarações, foi requerida a instauração de inquérito em face do Presidente da República e do ex-Ministro da Justiça e Segurança Pública para apuração de eventuais infrações penais, tendo salientado o Procurador-Geral da República: Posteriormente, no mesmo dia, em matéria do telejornal conhecido como “Jornal Nacional”, da Rede Globo de Televisão, foi divulgada conversa entre o ex-Ministro Sérgio Moro e o Presidente da República, ocorrida no dia 23/4/2020, pelo aplicativo Whatsapp, que, em tese, indicaria a insatisfação presidencial com a existência de um inquérito no SUPREMO TRIBUINAL FEDERAL como uma das razões para a troca da direção da Polícia Federal.

Posteriormente, em decisão do dia 27/4/2020, o eminente Decano da CORTE, Ministro CELSO DE MELLO, após detalhada análise, entendeu plausíveis os argumentos apresentados pelo Procurador-Geral da República e determinou a instauração de inquérito, com a seguinte decisão: “Sendo assim, em face das razões expostas, defiro, em termos, o pedido formulado pelo eminente Senhor Procurador-Geral da República e determino, em consequência – considerada a situação pessoal do Senhor Presidente da República e do Senhor Sérgio Fernando Moro, então Ministro da Justiça e Segurança Pública –, a instauração de inquérito destinado à investigação penal dos fatos noticiados na peça de fls. 02/13”.

Tais acontecimentos, juntamente com o fato de a Polícia Federal não ser órgão de inteligência da Presidência da República, mas sim exercer, nos termos do artigo 144, §1º, VI da Constituição Federal, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União, inclusive em diversas investigações sigilosas, demonstram, em sede de cognição inicial, estarem presentes os requisitos necessários para a concessão da medida liminar pleiteada, uma vez que o fumus boni iuris está comprovado pela instauração, no âmbito do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, de inquérito para apuração de eventuais práticas de crimes relacionados, inclusive, à própria nomeação futura do comando da Polícia Federal, e o periculum in mora correspondente à irreparabilidade do dano, em virtude de a posse do novo Diretor-Geral da Polícia Federal estar agendada para esta quarta-feira, dia 29/4/2020, às 15h00, quando então passaria a ter plenos poderes para comandar a instituição.

Diante de todo o exposto, nos termos do artigo 7º, inciso III da Lei 12.016/2016, DEFIRO A MEDIDA LIMINAR para suspender a eficácia do Decreto de 27/4/2020 (DOU de 28/4/2020, Seção 2, p. 1) no que se refere à nomeação e posse de Alexandre Ramagem Rodrigues para o cargo de Diretor-Geral da Polícia Federal.