Por Roberto Numeriano Há uma urgência de viver nos olhos de muita gente, um secreto desespero em face do futuro.

Seja nas casas ou nas ruas, essa estranha condição de vivermos suspensos, encurralados por algo invisível, potencialmente mortal, demonstra quão vulnerável somos no corpo e na alma.

Encaro o vírus como encararia o anúncio de que um meteoro iria colidir com o planeta em algumas horas.

Iria me precaver do melhor modo possível, mas nem por isso buscaria atropelar as horas do dia.

Desesperar-se, no mínimo, é inútil.

Correr por aí, desembestado, é temerário.

Quando eu medito cenários de um tempo pós-pandemia, formulando possibilidades sobre questões que vão do alfinete ao foguete, sempre concluo pela piora do que somos como humanidade.

Não é que eu seja pessimista em si (o pessimismo seria esquisito num socialista).

A minha conclusão deriva de algo objetivo, deduzida da percepção desse desespero.

Parece-me que, findo o pandemônio, vamos querer acelerar ainda mais tudo, fazer girar com mais força os engenhos de uma máquina do mundo ensandecida no hedonismo, narcisismo, sede de poder, fama e dinheiro.

Consumir abusivamente mais, gastar o que não temos, buscar parecer o que não somos, metermo-nos em relações doentias, iludirmo-nos com as quimeras de um mundo que a publicidade nos vende dia e noite, engolirmos na hora do jantar as mentiras da mídia burguesa, trabalhar imensamente mais para tornar mais bilionária algumas dezenas de banqueiros e empresários.

Não…

Eu não quero esse mundo “normal”.

Aliás, a minha alma sempre viveu apartada desse mundo de misérias, dessas piscinas cheias de ratos.

Esse mundo que se desmanchou, esmagado e oprimido, pelo poder de um micro-organismo, demonstrou o que sempre foi: frágil na forma e no conteúdo, vazio de sentidos e recoberto de aparências vistosas.

Um outro mundo será possível se varrermos para o lixo da história, junto com o vírus, tudo o que nos leva a essa loucura de uma vida vazia de sentidos transcendentes.

Roberto Numeriano é escritor, jornalista e cientista político