Por Ricardo Almeida, líder do MBL nacional, em artigo enviado ao blog Na estreia desta coluna, quero formular algo pouco usual: um longo argumento do início ao fim.
O início, neste artigo, parecerá abstruso.
O meio será palpável.
O fim será trágico, pois é a tragédia em que nós, cidadãos brasileiros, nos achamos: em meio a uma realidade política saturada e (quase) incompreensível.
Em Simulacros e Simulação, Jean Baudrillard propõe a seguinte tese: vivemos em uma época de substituição da representação pela simulação.
Há grande diferença entre elas.
A representação preserva o objeto representado, pois ao representá-lo ela o veicula.
Uma representação que não intencione um objeto é noção contraditória.
Nas cavernas de Lascaux, ao figurar o animal, causa de desejo e temor, a consciência do homem primitivo pôde dar o passo fundamental para além da realidade imediata.
Já a simulação não preserva o objeto.
Ela o abole ao lhe tomar o lugar.
A mais insidiosa dentre elas é indistinguível daquilo que simula; sua perfeição consiste em tornar o acesso à verdade do objeto impossível. É como a hóstia católica: conservando todos os atributos de pão, ela é verdadeiramente carne. É o corpo de Cristo, real e manifesto, que simula o pão, não o pão que representa o corpo; e há tal arte na transubstanciação que o milagre é não a podermos enxergar.
Baudrillard indica que a simulação é o eixo do mundo contemporâneo.
Eis que temos não a realidade mediada, mas a realidade simulada.
Proponho a tese, que pretendo provar nos próximos artigos: Bolsonaro é um presidente pós-moderno porque ele é um signo vazio.
E ele se fez simulacro porque o discurso que o apoia simula a realidade; este discurso não pretende representá-la como o discurso teórico habitual.
Para isso me apoiarei na literatura sociológica e filosófica sobre a pós-modernidade e sobre as novas tecnologias de comunicação.
A vacuidade de ideias do homem comum, que Bolsonaro teatraliza com esmero incomum, torna-lhe o ator mais-que-perfeito em uma peça cujo enredo ele não compreende.
Sua incompreensão é providencial.
O ator normal representa um personagem.
Bolsonaro, porém, é ator à maneira de Pirandello, porque ele é um homem que representa um personagem sem o saber.
O discurso bolsonarista é o dedo do sábio apontando a lua.
Só que não há lua.
E nem há sábio.
Isso explica o inaudito sucesso da sua eleição, até hoje para muitos inexplicável, único fenômeno eleitoral exclusivamente ancorado na tecnologia de comunicação mais tipicamente pós-moderna: a rede social.
O ator pirandelliano e a rede social - fusão única na história do país!
O que significou a rede social para Bolsonaro?
Por que ele e só ele poderia ter obtido a vitória nos termos em que ela se deu?
Nos próximos artigos, começaremos nossa investigação por essas perguntas.