Por Gustavo Costa, em artigo enviado ao blog Direto ao ponto: é logicamente contraditória, economicamente inviável, moralmente ilegítima e juridicamente questionável a plena exigência de tributos durante a calamidade pública decretada sob motivação da pandemia do COVID-19.
Pelos Municípios, Estados e União federal.
Por todos.
Numa nação esgarçada, dividida numa crise de gravidade comparável à situação de guerra, um improvável consenso político negacionista recusa enxergar uma obviedade do fenômeno tributário: sem circulação de bens, serviços, indivíduos e capital não há produção de renda, patrimônio, trabalho, consumo e, portanto, capacidade contributiva para geração e pagamento de receitas tributárias.
Ao avançarmos na inevitável quarentena, as respostas governamentais para esse urgente drama de todos nós, contribuintes em calamidade draconiana, oscilaram entre a inércia e anedota: pelo governo federal, um tímido diferimento do Simples nacional e FGTS, com flexibilização de obrigações acessórias e cobranças de dívidas (CNDs/cobranças/processos), sendo tal flexibilidade acompanhada pelos governos estaduais; pelas municipalidades, a desconexão da realidade ganhou tom anedótico na original resposta do Recife, a singular invenção da tributação voluntária (sic) do IPTU; de 2021.
E nada mais em relação ao ponto central: o relaxamento de obrigações tributárias correntes, afinal, a economia parou.
Aqui, em Pernambuco, o senso de urgência observado para cobrar alívio financeiro do credor federal – até agora, estimado em R$ 1,4 bilhões entre suspensões da dívida (União/BNDS) e garantia de transferências (Saúde/FPE) – destoa da lenta contrapartida para um alívio tributário interno.
Entre o veto a priori a qualquer medida de suspensão de tributos e a usual transferência de responsabilidades ao governo federal, a imagem do governo estadual como um avestruz com a cabeça enterrada diante do problema emerge com crescente impaciência entre os contribuintes.
O último argumento lançado para achatar a curva do tempo, e desviar a pressão dos pernambucanos, é a renúncia da sagrada autonomia estadual, inclusive autonomia para não tributar, em nome do redescoberto federalismo cooperativo do CONFAZ.
Um órgão envelhecido e desacreditado, uma SUDENE de Secretários de Fazenda, a reclamar unanimidade nas decisões e vedar qualquer concessão unilateral de benefícios de um ICMS desfigurado pelos próprios Estados, com os mais difusos interesses, numa federação com as maiores desigualdades espaciais do planeta.
O argumento não cola por diversas razões, mas sobretudo uma: o legítimo alívio exigido pelos pernambucanos não se presta à Guerra Fiscal, durante décadas praticada à margem do CONFAZ, e cuja vedação legal (LC 24/75 e LC 116) não sanciona renúncia de receita e gestores públicos por conta de relaxamento tributário emergencial.
O próprio STF deu a senha ao gestor hesitante, afastando a Lei de Responsabilidade Fiscal para combater os impactos financeiros da COVID-19.
Seja como for, haveria enorme margem de manobra para o exercício emergencial da política tributária estadual, mesmo alheia ao CONFAZ: da revisão de cargas tributárias setoriais, principalmente envolvendo produtos essenciais, à liberação de fluxo de caixa pela via da redução da vasta pauta de antecipações tributárias, inclusive em importações; das altas margens agregadas nas substituições tributárias à efetivação de restituição de créditos represados; do ICMS ao IPVA.
Quem quer, faz.
Até agora, a melhor ideia-lição de política tributária veio de recente artigo publicado por Everardo Maciel, que foi Secretário da Fazenda de Pernambuco e Secretário da Receita Federal.
Com autoridade e espírito público construídos por vasta experiência, inclusive enfrentado crises financeiras gravíssimas, ele advoga uma ampla moratória tributária, desenhada com criatividade, responsabilidade, ousadia e firmeza.
Moratória em sentido amplo, “sem concessões a mentalidades burocráticas, que não enxergam a dimensão da catástrofe”.
Abraçada pela União, Estados e Municípios.
Com clareza de foco, que, agora, é a superação da crise, para, apenas em momento futuro, ser redirecionado às medidas pós-crise, entre as quais a criação de eventuais fontes tributárias e a correção de injustiças tributárias presentes.
O risco de desobediência civil tributária é iminente.
A prioridade agora é a vida, inclusive dos contribuintes.
Gustavo Costa é advogado, LLM em Direito Tributário (Queen Mary, Universidade de Londres) e Mestre em Direito Público (UFPE)