Por Rodrigo Jungmann, em artigo enviado ao blog Existe uma diferença fundamental entre mortes, seja lá em que número ocorram, que acontecem por fatores alheios às nossas escolhas, e as mortes, mesmo em menor número, para cuja ocorrência as escolhas de cada um de nós podem ser fatores causais, quer venhamos a saber disso ou não, o que é precisamente o que ocorre no contágio comunitário do Novo Corona Vírus e da Covid-19, doença dele decorrente.

Se a morte em questão for de uma pessoa amada, o problema é ainda mais severo. “Ah, mas no caso da gripe comum também não se sabe de quem a pessoa pega…” Pois é, mas a esse interlocutor hipotético respondo que, no caso da gripe comum, é possível que o doente receba tratamento condigno porque há leitos disponíveis para ele e assim lhe é dada a chance de evitar uma morte abjeta.

ESSE é o problema moral dessa atual pandemia.

No fundo, envolve o conceito de “sorte moral”, como diria o filósofo americano Thomas Nagel.

Cuida-se, nesse caso, da noção de que somos moralmente responsáveis pelos resultados últimos de nossos atos, ainda que não estejam inteiramente sob o nosso controle.

A noção é implicitamente admitida no Direito Penal: o motorista que segue a uma velocidade descomunal ao passar pelo sinal vermelho é grosseiramente irresponsável, mas não é imputável por nada além do excesso de velocidade em que trafega.

Torna-se moral e criminalmente responsável por um resultado naturalístico imensamente mais grave se der o “azar” de atropelar um pedestre.

Sim, teve apenas “azar”, mas nas circunstâncias o “azar” o torna um criminoso.

Quem teve o “azar” de passar o vírus é decididamente culpado de o fazer porque assumiu o risco de causar esse desenlace.

De toda sorte, quem quiser seguir explorando analogias espúrias entre o coronavírus e outras doenças nas quais os vitimizados têm ao menos a chance de se tratar, vá em frente.

Quem quiser seguir pensando que não há problema moral algum nisso, prossiga em sua sombria indiferença ao destino do seu próximo.

Não é o meu caso. “Ah, mas e a economia?” Ora, muito bem, existe o Estado…

Existem as pessoas ricas…

Exija-se delas o cumprimento de seu dever moral elementar.

E cada um de nós pode ajudar.

Não há incompatibilidade nenhuma entre a crença liberal de que o enriquecimento de uns poucos concorre para o soerguimento econômico dos muitos com o reconhecimento por parte dos melhores entre os liberais de que, a qualquer momento, mas sobretudo depois de passada a prosperidade trazida pelo capitalismo liberal, é dever inadiável dos prósperos acorrer ao auxílio dos desvalidos.

Assim, como também o é do Estado.

Em todo caso, o drama econômico é inevitável quer tenhamos ou não uma quarentena prolongada.

Para quem aposta, por cálculo político, no desastre econômico, vale a lembrança de que os cadáveres da Covid-19 se acumularão mais rapidamente do que os dos mortos de uma fome em larga escala que ainda não chegou e que talvez possa ser evitada. É falsa a dicotomia irredutível entre cuidarmos da economia ou da saúde.

Urge agir em ambas as frentes.

Como já disse, há mecanismos.

E, avesso ao dogma, o liberal sensato apela até Lord Keynes se a tanto as circunstâncias o compelirem.

Por fim.

Como é chato ser inteligente… numa época de apologia à burrice…