Após representação do Ministério Público de Contas de Pernambuco (MPCO), o procurador-geral da República, Augusto Aras, requereu que o Supremo Tribunal Federal (STF) declare inconstitucionais dispositivos incluídos na Constituição do Estado de Pernambuco, em recente Emenda Constitucional aprovada pelos deputados estaduais.

Segundo Augusto Aras, trechos (art. 81-A e § 3 º) da Emenda Constitucional 45, da Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe), permitem a contratação de advogados ou sociedades de advogados – sem concurso público – para atuar nas Procuradorias Municipais, por dispensa e inexigibilidade de licitação.

Os pedidos constam de ação direta de inconstitucionalidade (ADI) enviada à Suprema Corte, nesta terça-feira (10), pelo Ministério Público Federal (MPF).

No entendimento do procurador-geral, a atual redação da Constituição pernambucana afronta os artigos 37, caput e II (princípios da administração pública e postulado do concurso público), 131 e 132 (advocacia pública), todos da Constituição Federal.

Por considerar haver perigo na demora processual e a fim de cessar a permanência de corpo técnico das procuradorias em situação irregular, com prejuízo ao interesse público, Augusto Aras solicitou à Corte a concessão de medida cautelar determinando a imediata suspensão dos efeitos dos dispositivos questionados.

No documento enviado ao Supremo, o representante do Ministério Público Federal destaca que, a partir da Constituição de 1988, os municípios passaram ter o poder de auto-organização, autogoverno, normatização e autoadministração, observadas diretrizes básicas para elaboração das respectivas leis orgânicas e para exercício de suas competências exclusivas, comuns e suplementares.

Por isso, na condição de entes da federação, devem respeito aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. “A contratação irregular, efetuada sem observância dos princípios da impessoalidade, da moralidade e da eficiência, dá margem a práticas que podem envolver desde repasse indevido de verbas públicas até a ausência da prestação dos serviços necessários à promoção do interesse público primário e secundário nas municipalidades”, alerta o procurador-geral.

Ao analisar a ação, o MPF classifica como salutar a iniciativa pernambucana de se determinar a criação de Procuradorias Municipais, conforme o artigo 81-A da Constituição daquele estado.

No entanto, destaca que a previsão de processo licitatório – também previsto na norma estadual - não é capaz de superar vício de inconstitucionalidade gerado pelo desrespeito ao princípio que trata da obrigatoriedade de submissão prévia a concurso público. “O ato impugnado, indo de encontro ao desenho constitucional, prevê como opção a privatização do exercício da advocacia pública, ao possibilitar o exercício da função institucional e das atribuições ordinárias da procuradoria municipal por advogados particulares, que passam a integrar o órgão sem a realização de concurso público”, destaca.

A ação terá agora um relator sorteado no STF, que decidirá o pedido urgente de cautelar feito por Augusto Aras, procurador geral da República.

Caso deferida a cautelar, a aplicação da Emenda pode ser suspensa pelo STF.

REPRESENTAÇÃO DO MPCO O Ministério Público de Contas de Pernambuco (MPCO) ingressou, em junho de 2019, com esta representação, na Procuradoria Geral da República em Brasília. “A emenda feriu a Constituição Federal, ao permitir que as Procuradorias Municipais, órgão público, sejam constituídas pela contratação de advogados ou sociedade de advogados.

Foi violado o postulado do concurso público, na medida em que permitiu a prestação de serviços jurídicos permanentes por pessoal contratado, em prejuízo, inclusive, do próprio interesse público”, diz a procuradora geral do MPCO, Germana Laureano, que assinou a representação.

A procuradora diz que os prefeitos escolherem, sem concurso e sem licitação, os advogados que vão representar os municípios é incompatível com as atividades próprias das Procuradorias Municipais. “Creio não restarem dúvidas de que as atividades próprias de uma Procuradoria não se enquadram no escopo de contratos temporários, tampouco no bojo de cargos em comissão.

Como, então, compatibilizar a norma introduzida no ordenamento pernambucano, que permitiu o exercício das funções de procurador municipal pelo advogado contratado pelo gestor”, defende Germana Laureano.

Outro ponto colocado pelo MPCO é que a emenda, votada pelos deputados estaduais, feriu a “autonomia municipal”.

Para Germana Laureano, a emenda impôs “a cada ente municipal a instituição de uma Procuradoria Municipal, em nítida afronta à autonomia assegurada” na Constituição Federal.

TRAMITAÇÃO POLÊMICA A Emenda teve uma tramitação polêmica na Alepe.

Um grupo de advogados que trabalhavam para prefeitos no interior se apresentou aos deputados estaduais, afirmando que a proposta tinha ampla aceitação na comunidade jurídica e que tinha sido discutida previamente com aprovação da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

A OAB desmentiu estes advogados em nota oficial, dizendo que só tinha tido conhecimento da emenda após a sua publicação definitiva. “Acerca da promulgação da Emenda à Constituição do Estado de Pernambuco número 45/2019, a Diretoria da Seccional de Pernambuco da Ordem dos Advogados de Pernambuco – OAB/PE, responsável pela representação institucional da Advocacia em nosso estado, esclarece que foi surpreendida com a publicação da referida Emenda, não tendo participação nas discussões que culminaram com a sua aprovação”, disse a diretoria da OAB-PE, em nota oficial de 17 de maio de 2019.

Várias associações representativas dos advogados também se manifestaram contra a emenda.

A Associação de Procuradores da Prefeitura do Recife, onde todos os advogados públicos são concursados, criticou o texto. “A Emenda, aprovada em tempo recorde pela Alepe, apresenta uma lamentável fuga daquilo que estabelecido na Constituição Federal, na legislação e nos precedentes claros do Supremo Tribunal Federal (STF).

Em primeiro plano, é redigida com atecnia legislativa e com diversas incongruências internas em seu próprio texto”, disse o advogado Bruno Cunha, na época, representante dos procuradores da Prefeitura do Recife.

No entendimento da Federação Pernambucana dos Procuradores Municipais (FPPM), que defende concursos para todas as prefeituras, a emenda é inconstitucional. “A FPPM entende que a Emenda Constitucional Estadual é inconstitucional.

O nosso posicionamento é que a Procuradoria Municipal é função essencial à justiça e faz parte da Advocacia Pública.

Assim, o cargo de Procurador Municipal deve ser de carreira, tendo seu acesso garantido através de concurso público.

A contratação de escritórios de advocacias e de advogados pela administração apenas deve ocorrer de forma excepcional, sob pena de ferir os princípios da moralidade e da impessoalidade, não se podendo admitir que se torne regra geral este tipo de contratação”, disse, na época, o presidente da FPPM, Marlus Tibúrcio.

Resposta Em nota, a Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe) afirmou: “A Assembleia Legislativa, em relação à Adin apresentada pela Procuradoria-Geral da República, reitera que já está pacificado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) o conflito sobre o dispositivo da Emenda Constitucional 45, aprovada por esta Casa em maio do ano passado.

A legislação em questão abre a possibilidade das prefeituras fazerem opção pela contratação de advogados para a representação judicial e extrajudicial, o assessoramento e a consultoria jurídica dos municípios pernambucanos.

Na época da sua tramitação, a proposta foi analisada pela Comissão de Constituição, Justiça e Legislação, que produziu um parecer detidamente amparado nos precedentes do Supremo Tribunal Federal.

Ao contrário do que foi aventado na imprensa, a emenda determina, sim, o cumprimento da Lei de Licitações na contratação dos serviços advocatícios, conforme expressamente prescrito no seu art. 81-A, § 3°.

Na realidade, o próprio procurador-geral reconhece, no texto da Adin, que o STF tem entendimento oposto ao que está colocado na ação de inconstitucionalidade.

O propósito da Adin, em última instância, é provocar uma mudança de jurisprudência na Suprema Corte, circunstância que entendemos estar a favor da tese encampada na Emenda Constitucional aprovada pela Alepe.

O ministro Luiz Fux foi relator de um recurso extraordinário em um caso concreto semelhante, ocorrido no município de Tatuí (SP).

Na ocasião, Fux argumenta que a criação de cargos no âmbito do Poder Legislativo Municipal, bem como a realização de concurso público, são questões atreladas à discricionariedade administrativa, não havendo na Constituição Federal, ao contrário do previsto para a União e os Estados, imposição de constituição de carreira de procurador municipal efetivo por parte dos Municípios.

Diante da manifestação do Ministério Público Federal, a Assembleia Legislativa aguardará a notificação oficial, para que o devido processo legal seja cumprido, ainda que, diante do amparo no entendimento da Suprema Corte, tenhamos a serenidade de que a Constituição Federal não está sendo descumprida.” ?

PGR diz que Emenda da Alepe sobre advogados é inconstitucional from Portal NE10