Em artigo para o Poder 360, o procurador de Justiça Roberto Livianu analisou as recentes polêmicas geradas pelo presidente Bolsonaro e a possibilidade de crime de responsabilidade.
Por Roberto Livianu, no site Poder360 Tamanha é a relevância do assunto que, já no artigo 1. da Constituição Federal, quando são apresentados os fundamentos da nossa República Federativa, o inciso III especifica dentre eles a dignidade da pessoa humana, assim seguindo referenciais oriundos de tratados e convenções internacionais, assim como a própria Declaração Universal dos Direitos Humanos.
A nível infraconstitucional, o artigo 9 da Lei 1079/50 inclui dentre os crimes de responsabilidade contra a probidade da administração, a ação de proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro inerentes ao cargo de presidente da República.
Foi com esta base jurídica que Fernando Collor e Dilma Rousseff foram democraticamente retirados do poder no passado.
Dignidade é definida como qualidade moral que infunde respeito; consciência do próprio valor; autoridade; nobreza.
Honra é virtuosidade, consideração conferida a quem age por seus dotes morais, grandeza.
Decoro, por seu lado, é o recato no comportamento, a decência, o acatamento das normas morais, a seriedade das maneiras, a compostura, a postura requerida para exercer função pública.
E o assunto está posto porque na CPMI das fake news, um certo senhor de nome Hans afirmou que uma repórter de renome teria sido incisiva, visando dele obter declarações incriminadoras contra o presidente da República, oferecendo supostas contrapartidas sexuais, em face do que a jornalista exibiu publicamente todos os diálogos, desmascarando a mentira.
Quando se imaginava que a história estaria encerrada, eis que o mandatário principal da nação, afirma oficialmente, no pleno exercício das funções de chefe do Poder Executivo Federal, diante do Palácio do Planalto, que a repórter “queria dar seu furo”.
E não se referia obviamente ao “furo” jornalístico.
Uma fala que pode ser recebida como de caráter ofensivo à dignidade de todas as mulheres.
Sua afirmação pode ser recebida também como atingidora da imprensa do país e vulneradora do próprio direito constitucional à informação.
Sua afirmação, que não é fato isolado (mais de 50% dos ataques à imprensa no Brasil em 2019 foram de sua autoria), é lamentável ato de ataque à nossa dignidade democrática, ao Estado Democrático de Direito.
Ou seja, por maior que seja a boa vontade e a tolerância, não se consegue salvar a manifestação, que lamentavelmente é, em tese, indigna, desonrosa e indecorosa.
E, nos termos da Lei 1079/50, desenha-se crime de responsabilidade, que pode ensejar o processo de impeachment.
Alguns dirão: mas não seria motivo raso e insignificante para tal consequência?
Muitos disseram isto sobre as “pedaladas fiscais” de Dilma, que não teriam a necessária gravidade, que não deveriam determinar um impeachment de um Presidente.
Eu discordo.
Foram atos graves sim, fraudes fiscais graves e foi devido e justo o afastamento.
Tanto que chancelado por Ministros do STF, incluindo Magistrados nomeados por ela, Dilma e seu antecessor, Lula.
Outros dirão: somente o povo que elegeu pode retirar o Presidente do poder, e ele tem faltado com o decoro em diversos momentos.
A escolha pelo povo não blinda o detentor do poder.
Se ele viola a lei e comete crime de responsabilidade, pode ser obviamente afastado como foram Collor e Dilma.
E quando a violação atinge com esta brutalidade a dignidade humana, toda e qualquer fronteira foi ultrapassada.
Toda e qualquer tolerância ao estilo, digamos, mais informal e popular do mandatário foi esgotada.
Trata-se de proteger os princípios e valores constitucionais coletivos de nossa república democrática.
Ser popular não autoriza agir individualmente por razões pessoais de forma a violar a dignidade, a honra e o decoro do cargo.
Com todo o respeito ao senhor presidente da República e exercendo meu direito constitucional de liberdade de pensamento, vejo como o jurista, ex-ministro da Justiça e Professor Catedrático da USP, Miguel Reale Júnior, há fundamento para o impeachment do Presidente.
O decoro é pressuposto, elemento imprescindível para o exercício da função presidencial.
Não há palavras inúteis na lei.
E vale lembrar que a Constituição Federal abriga como princípios a moralidade administrativa e a legalidade.
No sistema de freios e contrapesos, caberá ao Legislativo examinar e processar eventual pedido, se formulado, nos termos da Carta Magna, sob a condução do Presidente da Câmara dos Deputados, observado o quórum ali estabelecido.
A decisão de mérito final será política, do Congresso. É questão de respeito ao povo brasileiro, à nossa democracia, a nossos princípios republicanos, à dignidade humana e em especial, das mulheres.
Com a palavra, o Congresso Nacional.
Roberto Livianu é Procurador de Justiça em São Paulo e doutor em direito pela Universidade de São Paulo (USP).
Atua na Procuradoria de Justiça de Direitos Difusos e Coletivos.
Idealizou e preside o Instituto Não Aceito Corrupção (INAC). É ex-presidente e diretor do movimento Ministério Público Democrático (MPD).
Escreve para a Folha de S.
Paulo, Estado de S.Paulo, Poder 360 e é colunista da Rádio Bandeirantes e da Rádio Justiça, do STF.