Em artigo assinado, a Dra.

Roberta Grabert fala sobre sobre a importância da educação sexual para evitar gravidez precoce e indesejada.

A autora é contrária a “abstinência sexual” proposta pelo Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos.

Gestação na adolescência Por Roberta Grabert, em artigo enviado ao blog No início de 2019 foi promulgada a lei que determina a “Semana Nacional de Prevenção da Gravidez na Adolescência”, que deve ser realizada anualmente na semana que incluir o dia 1º de fevereiro, com o objetivo de disseminar informações sobre medidas preventivas e educativas que contribuam para a redução da incidência da gravidez na adolescência.” A lei foi uma resposta do nosso legislativo aos dados escabrosos advindos do relatório sobre o assunto, lançado em fevereiro de 2018 pela Organização Pan-Americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde (OPAS/OMS), Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA).

Consideramos gestação na adolescência aquela que ocorre entre jovens dos 15 aos 19 anos e gestação na infância a que ocorre em meninas de 10 aos 14 anos.

No Brasil, a taxa de gravidez na adolescência é de 68,4 bebês a cada mil meninas brasileiras, superando a taxa mundial, que é de 46 nascimentos por cada 1.000 e acima da média da América Latina e Caribe , que é de 66,5/1000.

Incidências essas, superadas apenas pela Venezuela e a Bolívia!

Um dado mencionado em letras minúsculas nos estudos e que merece atenção é: o número de gestações em meninas menores de 15 anos aumentou no Brasil.

Apontada como vilã da história, a iniciação sexual dos jovens começa cada vez mais cedo em todo o mundo.

No Brasil por volta dos 14 anos.

Estudos mostram relação entre as condições sócio econômicas e culturais e idade de início da vida sexual.

Quanto menos riqueza e educação, mais cedo se dá a iniciação sexual.

Sempre haverá gestações na adolescência, mesmo com todos os esforços e cuidados.

A sexualidade é parte fundamental do desenvolvimento humano.

Afinal, gostamos e procuramos prazer em tudo o que fazemos desde nosso nascimento.

O desejo sexual surge na puberdade, por volta dos 12 anos, com o florescimento dos hormônios.

A combinação de hormônios e um cérebro jovem, mais voltado aos impulsos, do que à racionalização, dificulta a prática de sexo seguro.

Conhecer a dinâmica química e psicológica da adolescência é fundamental para acessar esses jovens.

A abstinência é uma promessa difícil de ser cumprida e quem lida com jovens deveria saber disso.

As consequências afetivas e psicossociais da gravidez na adolescência são piores nas vidas das mulheres.

Pois, é comum e aceito socialmente, que a responsabilidade da maternidade é exclusivamente feminina.

Homens e mulheres deveriam ser igualmente responsáveis pela opção de anticoncepção, pela prática de sexo seguro, pela assunção de uma possível gestação e pela criação dos filhos.

A busca pela igualdade de gêneros é recente no mundo.

Para diminuir as gestações na adolescência no Brasil, precisamos enfrentar e discutir abertamente e sem dogmas, a questão da desigualdade de tratamento e de direitos entre os gêneros, característica fundamental do machismo estrutural.

Lidar com a realidade descrita acima, requer maturidade, estudo, expertise técnica, empatia, compaixão, inconformismo e vontade de mudar.

Elaborar leis, editar dias, semanas, ou meses de conscientização e apresentar soluções fantasiosas, descoladas da realidade ou achismos, não convence mais.

Um país que não se importa e não se envergonha de ter 400 mil bebês nascidos por ano, de meninas dos 10 aos 19 anos; precisa de uma revisão de conceitos.

O fato de no Brasil haver um aumento de gestações em crianças dos 10 aos 15 anos, também é assustador e não vejo alarde por isso.

Deveria haver!

Há consenso de que a melhor forma de lidar com gestações na adolescência é entender o que as provoca e tentar ao máximo evitá-las.

Acolhimento, inclusão, educação, segurança, oportunidade e evidências, as contundentes e comprovadas, são atitudes obrigatórias em qualquer política pública que aborde as gestações na adolescência.

Há que se tomar cuidado para não estigmatizar ainda mais a jovem que engravida.

Tudo começa pela educação, formal e sexual, acessível, não só para adolescentes, mas para toda e qualquer família.

Educação sexual não é um estímulo à iniciação sexual precoce, pelo contrário.

Jovens mais informados tendem a iniciar a vida sexual mais tardiamente e quando o fazem, são mais responsáveis com a prática sexual.

Informação, continuada e permanente, é a melhor arma para combater preconceitos.

Com o avanço da tecnologia e os programas de saúde da família ficou mais fácil divulgar conhecimentos e capacitar todos os profissionais da saúde primária e profissionais do ensino, envolvidos na assistência a adolescentes e suas famílias.

Temas como sexualidade humana, métodos anticoncepcionais, planejamento familiar não podem mais ser tabus para esses profissionais. É necessário aumentar a inclusão e ampliar as oportunidades, criando ambientes que permitam a igualdade de gênero e ajudem adolescentes a respeitarem uns aos outros, para que possam exercer livre e responsavelmente seus direitos sexuais e reprodutivos.

Em vez da intolerância com a prática de sexo, devemos ser intolerantes com qualquer tipo de sexo coercivo e com os casamentos infantis, ainda comuns, apesar de ilegais, em nosso país.

Meninas que engravidam, não estudam.

Adolescentes nascidas de famílias mais pobres, sem acesso à educação ou apenas com educação primária têm quatro vezes mais chances de engravidar quando comparadas às meninas com ensino médio ou superior e nascidas nos extratos mais ricos da população.

O abandono escolar tem um impacto devastador, estreita oportunidades, horizontes profissionais e limita a participação dessas mulheres na vida pública e política; tornando-as ainda mais vulneráveis e propensas a repetir padrões de pobreza e exclusão social. 66% das meninas que engravidam na adolescência repetem o exemplo da mãe ou avó.

Mais um ciclo nefasto a ser desfeito.

Ações de planejamento familiar devem ser intensificadas e envolver os jovens.

Afinal os jovens são a razão e o destino dessas políticas públicas.

O planejamento, como diz o nome, é familiar e não exclusivamente feminino.

Criar redes de apoio para a adolescente que engravida é essencial.

Adolescentes engravidarão e o sistema de saúde tem que estar preparado para atendê-las.

Nos países onde o aborto é legalizado, oferece-se esta opção às jovens.

Aqui no Brasil, se a gestação representar risco de morte materna, pode-se, teoricamente, interrompê-la, porém os trâmites legais ainda são complexos, mas este é um assunto para outro artigo… Adolescentes grávidas precisam de cuidados qualificados e especializados de pré-natal, parto e no pós-parto e o SUS deve estar preparado para tal demanda.

O índice de complicações em gestações em adolescentes é duas vezes maior do que em gestações após os 20 anos; a mortalidade materna é uma das principais causas de óbito entre adolescentes e jovens entre 10 a 24 anos.

Só em 2014, foram cerca de 1,9 mil adolescentes mortas em decorrência de complicações ocorridas durante a gravidez, parto e período pós-parto.

As evidências de políticas públicas baseadas em abstinência sexual exclusiva, “abstinence only” ou tendo como centro a abstinência mostraram-se ineficientes, onde foram implementadas.

Em nota a Sociedade Americana de Medicina do Adolescente reiterou as falhas científicas e éticas da abordagem “abstinence only “, utilizada em alguns estados norte-americanos, pois tal política deixa à margem adolescentes sexualmente ativos, aqueles que já são pais, os que não se consideram heterossexuais e as vítimas de abuso sexual.

Abstinência das relações sexuais é válida, exclusivamente, quando manifesta uma escolha e decisão pessoal dos adolescentes e respeita o direito à autonomia; nunca uma imposição ou única opção oferecida.

Os programas baseados em abstinência também não se mostraram eficazes para retardar o início da vida sexual ou alterar os comportamentos de risco sexual.

Pelo contrário, em alguns casos houve aumento das gestações e de infecções sexualmente transmissíveis.

Os dados estão colocados, e a situação no Brasil não é boa.

Estamos falando de meninas tendo vidas ceifadas por engravidarem ainda jovens.

Declarar uma semana de conscientização e propor abstinência como ponto central de uma política pública é, comprovadamente, insuficiente e ineficaz.

A cada minuto que perdemos com essas distrações, meninas e bebês morrem, ou nascem sem nenhum destino, sem nenhuma oportunidade. É isso que queremos para nosso país?

Dra.

Roberta Grabert Médica Ginecologista e Obstetra formada há 29 anos pela FMUSP, pós-graduada em sexualidade humana e Telemedicina, MBA em Gestão de saúde pelo INSPER/HIAE e liderança associada ao movimento Livres.