Por Gaudêncio Torquato, em artigo enviado ao blog O mote da década de 50 acompanhou por muitos anos a vida dos consumidores: “vale quanto pesa”.

O símbolo da balança, estampado na embalagem, não apenas garantia a legitimidade do “sabonete das famílias”, mas reforçava o conceito de verdade.

O consumidor constataria não haver um grama de peso a mais ou a menos.

Era a época da “verdade verdadeira”.

De lá para cá, a verdade passou a perder substantivos e a ganhar superlativos, dando vazão ao bordão desses tempos virtuais: “vale muito mais do que pesa”.

Essa versão embala anúncios de propaganda, expressões sobre pessoas, políticos, jogadores de futebol, entre outros.

A observação cai bem no momento em que a política no Brasil começa a rejeitar os velhos paradigmas.

Nesse ano eleitoral, o superlativo dominará a expressão política, a verdade se cobrirá com as cores da ficção, sob a capa de fake news, e o mundo real dividirá suas cores com o mundo virtual.

A passarela entre esses dois universos será pavimentada por três tipos de argamassa: a razão, a emoção e a polarização.

O cenário da razão deixa ver, na linha de frente, eleitores conscientes, autônomos, exigentes, que já não agem ao estilo que o vulgo costumava recitar em ditos politicamente incorretos: “Maria vai com as outras”.

O campo da razão disputará o processo decisório com o espaço da emoção.

Basta medir a temperatura do meio ambiente ou ver o desfile de adjetivos nas redes sociais, onde o palavrório bolsonarista é confrontado pelo verbo oposicionista, expandindo a polarização.

Indignação, revolta, ódio se amalgamam nas bandas que dividem a sociedade: os adeptos, eleitores e simpatizantes do presidente Jair; os oposicionistas de partidos de oposição e contingentes que não leem pela cartilha da direita-radical-conservadora; e os centristas, que olham para os lados e para cima, à procura de novos protagonistas.

Bolsonaro, de um lado, e Lula, de outro, são os dois líderes do cabo de guerra.

A linguagem de ambos é embalada por camadas de celofane emotivo.

O presidente usa a saída do Palácio da Alvorada para puxar a corrente; o ex-presidente usa palcos de eventos do PT ou de organizações.

Ambos se esforçam para antecipar a campanha, com desfecho em outubro, usando metralhadoras expressivas para agregar parceiros das bandas, tentando encantar as turbas.

O perfil populista de ambos emerge na exposição de uma semântica desarrumada e uma estética destemperada.

Ora, quando falta água na fonte da razão, os dois correm para beber na fonte da emoção.

O ritual é conhecido.

Com uma linguagem coloquial, os dois transmitem mensagem subliminar, querendo dizer: “somos gente como vocês”.

Metáforas aparecem aos montes.

E assim a liturgia emotiva acaba construindo um suporte de simpatia.

Mas a movimentação social no Brasil, nos últimos tempos, mostra que a razão, como mecanismo para a tomada de decisões, amplia laços, inclusive nos setores populares, tradicionalmente conhecidos por agir sob emoção.

Os comportamentos racionais estão relacionados a um cenário de modernidade, que aponta para um reordenamento de valores, princípios e visões dos grupamentos sociais.

Dito isto, é o caso de perguntar: que vetor terá mais influência em campanhas?

Atente-se para o ethos nacional, cuja composição agrega valores como cordialidade, improvisação, exagero, paixão, solidariedade.

O resultado aparece na “alma caliente” dos trópicos, em contraposição à frieza anglo-saxã.

Em nossas plagas, a emoção ganha da razão.

Mas se expande a cada ciclo político.

Por quê?

Por causa de mudanças no campo individual.

A pessoa, escondida no anonimato na massa, descobre que pode se transformar em cidadã.

A cidadania deixa de ser bandeira de instituições e ingressa no repertório mental do indivíduo, passando a ser meta desejada.

Ou seja, amplia-se a “consciência do EU” em contraponto ao conceito do “NÓS”, esteira da propaganda política.

Maior autonomia fortalece o desenvolvimento de uma autogestão técnica, pela qual os indivíduos passam a traçar rumos e a selecionar os meios, recursos e formas para atingir seu intento.

Rejeitam ou aceitam, com restrições, pressões do poder normativo.

Equivale a dizer que fogem dos “currais” psicológicos que enclausuram pensamentos.

Em suma, o campo social alarga o universo do discurso, a rebeldia das formas e provoca a rejeição a tudo que se assemelhe a totalizações.

Classes sociais e categorias profissionais, usando suas tubas de ressonância, desfraldam bandeiras de defesa.

Se muitos segmentos ainda votam com a emoção, outros buscam apoio nos pilares da razão: o voto sai do coração para subir à cabeça.

Gaudêncio Torquato, jornalista, é professor titular da USP, consultor político e de comunicação