Por Celso Rocha de Barros, colunista do jornal Folha de S.
Paulo O único lado racional do governo Bolsonaro é o lado de fora.
Ninguém que se propôs moderar o bolsonarismo por dentro teve, até agora, qualquer sucesso.
Pelo contrário, foram todos rebaixados ao nível do chefe.
O ministro da Economia disse que entende por que os bolsonaristas pedem um novo AI-5.
Segundo Guedes, os apelos por fascismo se justificam porque Lula pode convocar protestos que, inspirados em Leonardo Di Caprio, taquem fogo em tudo.
A mera ameaça de algo assim já teria, ainda segundo o ministro, derrubado a reforma do serviço público.
No meio da conversa, Guedes pediu que todos aceitassem o resultado da eleição.
Na verdade, Bolsonaro abortou a reforma porque nunca quis fazê-la.
Guedes fingiu que acreditou que a culpa fosse de Lula porque também precisava de uma desculpa: nunca conseguiu aprovar reforma, Rodrigo Maia lhe entregou pronta.
Não há protestos, violentos ou pacíficos, acontecendo no Brasil.
Se houvesse, a democracia lidaria com eles como lidou com 2013, com 2015 e com a greve dos caminhoneiros de 2018.
Quanto a aceitar o resultado da eleição, ministro, faz só um ano, não deu tempo para esquecer: durante a campanha do ano passado, Bolsonaro disse repetidas vezes que não aceitaria o resultado em caso de derrota.
Em uma entrevista a José Luís Datena no hospital, Bolsonaro disse: “eu não posso falar pelos comandantes militares, respeito todos eles, mas pelo que eu vejo nas ruas, eu não aceito resultado diferente do que a minha eleição”.
Ministro, o senhor tem qualquer interpretação desta frase que não implique que seu chefe teria tentado um golpe de estado contra o presidente Fernando Haddad, com ou sem o apoio logístico do astro de “Titanic”?
Na verdade, Bolsonaro não é mais um “risco” para a democracia brasileira.
A escalada autoritária já está em curso.
A desmontagem da democracia brasileira está acontecendo agora, diante de nossos olhos.
A guerra à imprensa livre não tem igual na história do Brasil democrático.
O governo Bolsonaro está tentando estrangular financeiramente todos os órgãos de imprensa que denunciem seus crimes.
A Folha foi excluída de uma licitação, e a distribuição de verbas publicitárias para a TV foi alterada para punir a Rede Globo. É a mesma estratégia usada na Hungria pelo governo Orbán.
Eduardo Bolsonaro, lembrem-se, voltou de Budapeste no começo do ano dizendo que havia aprendido como lidar com a imprensa.
E o aparato repressivo está sendo montado.
Excludente de ilicitude na repressão a protestos é pouco sutil mesmo para Bolsonaro.
Na primeira versão desse texto eu terminava pedindo que o empresariado, os militares e a turma de Sergio Moro se pronunciassem oficialmente, em voz alta, em público, contra o autoritarismo bolsonarista.
Eu sei, pode rir, eu também comecei a rir alto enquanto escrevia, por isso apaguei.
De qualquer maneira, deixo uma dica para os ricos brasileiros, uma dica que eles não merecem.
Como mostrou o artigo de Laura Carvalho na Ilustríssima de ontem, nenhum outro populismo de direita da onda Orbán é liberal em economia como Guedes lhes prometeu que Bolsonaro seria.
Quanto mais os bolsonaristas se consolidarem no poder, menos vão precisar do apoio de vocês.
Quem vender a democracia brasileira em troca de liberalismo econômico vai acabar sem os dois.
Como da última vez.