Decifrando a mensagem de Lula Por Demétrio Magnoli, em sua coluna na Folha de São Paulo neste sábado As palavras “radicalismo” e “polarização” atravessaram o ar, logo depois do discurso de Lula em São Bernardo do Campo (SP), há uma semana.

Os analistas, em modo automático, fixaram-se na superfície retórica, ignorando as três curtas frases que formam o núcleo da mensagem do líder petista.

De fato, não há “radicalismo”, muito pelo contrário -e a “polarização” é uma oferenda que o centro político deposita nos altares do atual e do ex-presidente.

Paulo Guedes, acusou Lula, seria um “demolidor de sonhos” e um “destruidor de empregos e empresas públicas brasileiras”.

Novidade nenhuma.

A rejeição total da agenda de reformas reflete menos uma posição ideológica e mais a necessidade de proteger o espólio lulopetista.

O PT não está autorizado a revisitar o populismo econômico de seu segundo mandato e do consulado dilmista.

O líder frustra os intelectuais sensatos que giram na órbita petista, proibindo aquilo que, na linguagem política italiana, chama-se aggiornamento: a reavaliação crítica do passado, a atualização de uma orientação estratégica.

O veto serve ao próprio Lula, “um viciado em si mesmo” (Millôr Fernandes), pois prende seu partido e as legendas auxiliares (Psol, PCdoB) à pesada âncora do lulismo.

Serve, ainda, a Bolsonaro, oferecendo-lhe argumentos substantivos na sua perene campanha contra a esquerda.

Mas faz mal ao país, que precisa de uma esquerda moderna, e ao PT, que fica marcado a ferro como um partido incapaz de aprender com seus erros. “Governar para o povo brasileiro, não para os milicianos do Rio de Janeiro.” No seu disparo mais contundente, Lula iluminou a suspeita crucial que paira sobre o clã presidencial. “Radicalismo”?

Só se resolvermos, como nação, aceitar a hipótese de um governo associado ao crime organizado.

A palavra “milicianos” circula nas esquinas -e com bons motivos.

A sua ausência quase completa no discurso dos líderes e partidos do centro político é um dos sintomas da renúncia deles a fazer oposição a Bolsonaro.

João Doria parece almejar algo como um “bolsonarismo sem Bolsonaro”.

Luciano Huck esquiva-se, tanto quanto possível, de polarizar com o presidente.

O protagonismo oposicionista de Lula emerge da abdicação dos demais atores.

Obviamente, como tantos registraram, a polarização rende frutos aos dois polos, estreitando os horizontes do debate público.

A vadia preferência pelo óbvio obscurece o cerne da mensagem de Lula. “Tem gente que fala que precisa derrubar o Bolsonaro, tem gente que fala em impeachment.

Veja, esse cidadão foi eleito.

Democraticamente nós aceitamos o resultado da eleição.

Esse cara tem um mandato de quatro anos.” O suposto radical, o desvairado incendiário, está erguendo uma muralha diante do PT e das legendas auxiliares.

De fato, interdita, para sempre, ao menos entre os seus, o recurso ao impeachment.

Bolsonaro esqueceu de agradecê-lo.

Lula nunca recuou face à contradição lógica, e não o faz agora.

Se ficar provada a aliança entre o clã presidencial e as milícias, o remédio democrático atende pelo nome de impeachment.

Mas aqui, como na economia, o líder petista está preso à armadilha da narrativa que formulou para preservar a aura do lulismo nos domínios da esquerda.

O impeachment corta o mandato de quem perdeu as condições políticas para governar.

No processo, o Congresso -não um partido singular- decide se uma violação da regra do jogo constitui crime de responsabilidade.

Ao qualificar como “golpe” o impeachment de Dilma, Lula e o PT praticamente descartaram a legitimidade da instituição do impeachment.

O tabu tem consequências: do lulopetismo não partirá, sob nenhuma circunstância, uma iniciativa de interrupção do mandato de Bolsonaro.

Que ninguém se preocupe.

Lula tem os olhos fixados nas urnas de 2020 e 2022 -e sabe que sua melhor chance é aparecer como única oposição real ao governo.