Por Antonio de Moura Cavalcanti Neto, em artigo enviado ao blog Não há um único brasileiro vivo que não conheça alguém que tenha sido vítima de atos criminosos, quando não foi ele mesmo que sofreu as consequências do caos social (em) que vivemos.
Em todos esses casos, aparecem especialistas para afirmar com uma certeza que impressiona os incautos: a construção de escolas resolverá os problemas da criminalidade no Brasil.
Nada há de mais errado.
O problema central da nossa sociedade (e também em escala global) é de ordem moral.
Nessa ordem, estão inseridos fatores puramente morais e também religiosos.
Sim, o afastamento do sagrado é responsável, em grande escala, pela decadência do povo que sofre por não saber quais são os seus problemas e, por isso, caminha em direção às soluções inarredavelmente equivocadas.
Dizer isso em um ambiente onde a legitimidade do discurso vem pelo academicismo e pelo cientificismo parece loucura, pelo menos à primeira vista.
As Universidades, criações da Igreja Católica na Idade Média, distanciaram-se completamente do seu intento, não há mais a intenção da universalização do conhecimento, mas tão somente de vencer uma guerra contra um inimigo que foi identificado no Iluminismo: Deus.
Como bem diz Elomar Figueira Mello no indispensável A era dos grandes equívocos, a ciência elegeu a morte de Deus como a sua meta, para isso não faltaram teóricos e pragmáticos.
Ora, se a ciência asséptica é a única forma de se chegar a um lugar seguro e desenvolvido (importante salientar que, no Brasil, a produção científica é tudo, menos asséptica, sendo completamente enviesada), é na educação formal que devem ser depositadas as únicas esperanças para que esse intento seja alcançado.
Entretanto, ter informação suficiente, o que se obteria apenas pela educação, não é, nem nunca foi, um parâmetro para que se evitem atos violentos ou corruptos (crimes).
Se esse pensamento fosse correto, não existiria o mensalão, onde diversos parlamentares com curso superior e relevante grau de instrução formal foram comprados.
Um dos líderes de toda a estrutura foi, inclusive, alguém reconhecidamente versado nas leituras de política e que conhece como poucos as páginas imbuídas de muita consciência social de Karl Marx e Antonio Gramsci.
Uma sociedade se torna mais violenta e mais decadente no exato instante em que as suas amarras morais vão se afrouxando. É da relativização da vida e dos valores que saem as permissões inconscientes para os desvios de conduta que destroem pouco a pouco um povo, sobretudo quando ele ainda não chegou a ser Nação.
Para que esse conjunto de regras seja sólido, a religião precisa estar presente, ainda que como reserva de consciência.
O Cristianismo traz um rígido arcabouço de conduta: não roubar, não matar, respeitar a integridade do próximo, a sua propriedade e os seus direitos são marcas indeléveis desse conjunto de crenças.
Não bastasse a fundamental contribuição da cultura judaico-cristã na formação da própria ideia de Estado de Direito, é no campo dos valores que essa marca se mostra ainda mais relevante.
Saber que há um ente supremo que a todos governa e julga é um fator de limitação único e firme, saber, além disso, que essa divindade preconiza regras muito claras de conduta e vida é como que trazer uma mão invisível de controle.
E deve haver sempre esse controle porque o homem não é bom, ele é, muito ao contrário do que disse Rousseau, inarredavelmente mau.
O homem não nasce bom e a sua corrupção não vem da sociedade e das condições adversas nela verificadas, ela está nele e precisa ser tolhida e contida todos os dias.
Se não há, entretanto, quem possa fazer esse tolhimento, teremos uma horda de bichos livres e irrefreáveis que podem tudo, pois já não existem limites.
Nem mesmo uma criança inocente e indefesa está imune à prática do mal, não é raro ver seres humanos ainda imaturos que tiram o brinquedo dos seus irmãos ou amigos e choram para ter algo que não lhes é permitido, revelando, ainda que de forma inconsciente, um egoísmo e uma tendência à chantagem que precisa ser corrigida.
A educação formal não atuará nesse sistema de sentimentos, de forma alguma, mas apenas ensinará fórmulas e conceitos históricos distorcidos pelo establishment (especificamente no nosso caso), que dirá, por exemplo, que os Democratas são bons nos Estados Unidos e os Republicanos são ruins, quando foram esses últimos que ajudaram a acabar a escravidão, e não os primeiros.
Saber disso, em um ou outro sentido, contribui de forma nula para formar um cidadão de respeito.
Conhecer fatos históricos não é garantia alguma de que eles não serão repetidos, portanto, não é a violência do passado que fará o homem se assustar e fugir disso.
Os cubanos já sabiam das mortes resultantes das práticas de Lênin e Stálin e mesmo assim fizeram a Revolução Cubana.
Os espartanos conheciam a força do Exército Persa e nem por isso deixaram de ir à guerra.
Todos os povos que viveram após a Revolução Francesa sabiam do imenso número de mortos vindos da sanha revolucionária e, não por acaso, a palavra mais dita na política mundial nos tempos pós-1789 foi exatamente revolução.
Diferentemente dos animais irracionais, que param diante do perigo e fogem dele porque não conseguem formular uma ideia - a não ser a própria fuga, o homem imagina que as suas ideias de mundo são suficientes para dominá-lo e evitar todos os danos possíveis em um cálculo previsível e objetivo.
Na realidade, entretanto, as pretensas boas ideias convertem-se em mortes, perseguição e falta de liberdade exatamente pelo fato de que há um quê de maldade inata em cada ser humano, quantidade suficiente para exterminar o outro acreditando fazer o bem. É por isso que um sistema rígido de conteúdo moral evita grandes danos e mudanças bruscas em uma Nação.
Diante de um quadro assim, não se entregarão os anseios de um povo a ninguém com ares messiânicos, porque se sabe que o paraíso não é possível na terra.
Aliás, como diz Eric Voegelin de forma vasta e completa, esse sentimento de espera por tempos paradisíacos na terra consiste em uma fé metastática, eis que transposta para além da realidade.
Nega-se a possibilidade de um Deus que estabeleceu uma vida perfeita no pós-morte para sentenciar a existência de um paraíso terreno. É assustador que milênios de existência humana neste planeta ainda não sejam suficientes para mostrar que todas - sem qualquer exceção - as experiências que buscaram trazer o paraíso divinal para o meio dos homens resultaram sempre em destruição.
Pois bem, não é o conhecimento da história oficial, tampouco a bondade humana, que nos levará a um porto seguro em termos existenciais, mas apenas o resgate daquilo que se perdeu em meio a um caos científico: a certeza de que as ideias morais têm relevo e devem ser ensinadas ao povo como o substrato da sua formação social, levando em conta acertos e, sobretudo, os erros humanos.
O cálculo da falibilidade humana - e de todas as nossas teorias - deve estar embutido em qualquer sociedade civilizada. É por isso que as grandes Nações não têm políticas nem políticos perfeitos, com tudo passando pelo crivo da realidade e das dificuldades inerentes a cada tempo histórico.
Essa falibilidade só pode ser verificada se existe um código de conduta moral pré-estabelecido de forma clara.
Moral que, de forma absolutamente irresponsável, foi dissolvida no Século XX - A era dos grandes equívocos ou o O século do nada - em nome do progressismo vazio e inoperante.
As regras de conduta foram dissolvidas em meio à existência de milhões de outros regulamentos, todos com a mesma carga de vinculação social.
E, por lógica elementar, se tudo vincula, por certo que nada vincula com segurança.
Para Zygmunt Bauman, outrora estudado por mim quando da minha dissertação de Mestrado, a esse período de derretimento dos valores dá-se o nome de modernidade líquida.
Servem as ideias baumanianas apenas como referência para a compreensão do momento histórico, não como base deste artigo.
A Religião, em outros tempos um norte de conduta, foi alijada do processo social como se fosse ela mesma o problema, sendo tal separação fruto do Iluminismo, ganhando mais força ainda com o marxismo cultural que varreu o Ocidente, começando com Marx, passando por Gramsci, Foucault e toda a Escola de Frankfurt.
Essa verdadeira perseguição tem ares de arrogância e ignorância intelectual na mesma medida.
A ligação com o campo do sagrado não significa a destruição da crença do outro, a não ser nas mentes dos que dominam as Academias de Estudos.
Quatro dos maiores compositores de todos os tempos, Bach, Beethoven, Mozart e Vivaldi, têm óperas e autos dedicados à Religião, e ninguém em sã consciência dirá que Jesus, alegria dos homens é coisa de um despreparado.
As Universidades foram formadas no seio religioso e com finalidades de partilhar com o mundo o quanto de sacralização poderia ser passado.
Tomás de Aquino, um dos maiores sistematizadores de conhecimento da história, é um Santo da Igreja Católica, por exemplo.
Portanto, é tão absurda quanto burra a ideia de que as referências ao campo religioso são sinônimos de falta de capacidade intelectual.
Pode soar arrogante, mas não é: não há outra explicação para que gerações, milhões de estudantes, cresçam com a certeza encravada na vida de que ao falarmos de ciência jamais poderemos falar de Religião.
Não sabem eles que é mil vezes mais fácil acreditar no criacionismo do que no evolucionismo.
Essa última teoria é tão infantil que tê-la como certeza científica beira o embuste intelectual. É tão tenebroso que pareceria brincadeira, não fosse o fato amargo de que é exatamente isso que é ensinado ao seu filho nos dias de hoje.
No início, dissemos que os fatores religiosos são essenciais para a manutenção da paz social, e são mesmo.
O Cristianismo é um sistema de crenças lastreado na fé e na prática, é um dever diário de abstenção e altruísmo, que, mesmo que não sendo seguido como Religião oficial, quando decantado para o seio da sociedade, tem aptidão para minorar as ações maléficas com potencialidade destrutiva exatamente por dele serem extraídas diversas regras de conduta que permitem uma convivência harmônica e respeitosa.
A proibição de ganhos ilícitos, por exemplo, tem nítida inspiração no Cristianismo, assim como a valorização do trabalho, a previsão de um governo de homens (a ser respeitado) e de um governo de Deus (sagrado e supremo) e, sobretudo, a noção de autoridade.
Para o cristão, é certo que Deus é uma autoridade soberana, mas isso tem uma repercussão inenarrável na Cultura Ocidental: a noção de autoridade é das mais valiosas construções humanas.
Uma autoridade deve ser respeitada pelo seu poder, mas também pelo rito que é obedecido para que chegue ao cargo, pelas suas competências e sua carga de responsabilidade. É essa junção de fatores que concede autoridade a alguém, dotando-lhe de uma carga de respeitabilidade capaz de impedir e corrigir o erro.
Foi exatamente a destruição desse conceito que mais acelerou a decadência das sociedades moderna e pós-moderna.
O início desse processo passou pela quebra da autoridade familiar, com a relativização dos poderes e responsabilidades dos pais em nome da autonomia das crianças.
Depois, isso ingressou na sala de aula, com a derrubada da figura imponente do Professor em nome de um aprendizado mais amplo e permissivo para o aluno.
Sem autoridade, o certo e o errado dependem do referencial e uma laranja bem pode ser uma manga.
Um roubo, antes execrado, pode ser sinônimo de transferência forçada de recursos para alguém desfavorecido.
Alguém que não guarda temor em relação ao pai e à mãe (aqui mais uma regra moral advinda do Cristianismo) torna-se um homem sem limites, sem noção de respeito e, por fim, sem a dimensão do que a autoridade impõe.
Roger Scruton diz que só uma consciência formidável de autoridade e instituição pode explicar a paciência e o respeito que os britânicos têm em relação aos ritos que envolvem a Rainha.
Eles não permanecem diante de uma mulher durante quatro ou cinco horas em uma cerimônia por mera diversão ou obrigação, mas pela convicção de que a sua Nação, naquele instante, é presentada pela sua Chefe, que deve ser respeitada porque nela podem ser enxergados os valores que trouxeram o país e o povo até ali: a submissão às regras, o cumprimento das metas, a responsabilidade pelos atos errados, a correção na conduta e o respeito aos superiores.
São esses valores que fazem o povo britânico curvar-se, não somente na presença de um homem ou uma mulher com poder, já que honra não falta àquela Nação.
Esses valores não são ensinados nas escolas, mas nas famílias, nas Igrejas e nas comunidades em que o “nós” (Roger Scruton) prepondera sobre o “eu” não para aniquilá-lo, mas para formar uma reunião de pessoas com objetivos comuns e respeito às individualidades.
No Brasil, escola é lugar de doutrinação ideológica de esquerda e presta um grande desserviço, mas, mesmo se assim não fosse, mesmo que tivéssemos um ambiente asséptico e sem matizes políticas, não é esse o locus devido para a formação moral do indivíduo.
As noções que formam o caráter precisam de amarras firmes, de conceitos seguros e portos definidos, sem relativizações que nada garantem.
Os ensinamentos sobre autoridade, compromisso, respeito, obediência, existência de limites e consequências são a mais valiosa base para a construção de uma sociedade saudável.
O saber que a vida é feita de perdas e ganhos e de que há alguém maior a nos vigiar (para os cristãos, esse alguém é Deus) é um ponto firme de conduta.
Tão rasteira quanto a tentativa de ligar a criminalidade à pobreza, em um arremate de preconceito asqueroso, é a ideia de que mais escolas abertas resultarão no fechamento dos presídios.
Essas Casas do Saber (não que hoje sejam nada próximo da busca do saber, mas apenas para guardar a boa lembrança) servem para formar professores, advogados, médicos, engenheiros, músicos ou qualquer outro profissional.
Para formar seres humanos de respeito, nada como a boa e velha moral.
O que mudaria as coisas para melhor é exatamente aquilo que os donos do “conhecimento” oficial mais repudiam.
De toda forma, é certo que escolas não salvarão o mundo, tampouco diminuirão definitivamente a criminalidade que a todos atormenta.
Definitivamente não!
Antonio de Moura Cavalcanti Neto é advogado p0úblico federal, mestre em Direito (PUC/SP) e professor de Processo Civil.