Lula livre, não por ele ou pelo PT, mas pelo Estado de Direito Por Demétrio Magnoli, na Folha de São Paulo deste sábado O STF examinará, logo mais, as condenações impostas a Lula.

Hoje sabemos, graças à Vaza Jato, que os processos tinham cartas marcadas.

O conluio entre Estado-julgador e Estado-acusador violou as leis que regulam o funcionamento do sistema de Justiça.

A corte suprema tem o dever de preservar o Estado de Direito, declarando a nulidade dos julgamentos e colocando o ex-presidente em liberdade.

Lula livre.

Evito adicionar o clássico ponto de exclamação porque, sob a minha ótica, Lula é politicamente responsável pela orgia de corrupção que se desenrolou na Petrobras.

A corrupção lulopetista nasce de uma tese política elaborada, em versões paralelas, por José Dirceu e Luiz Gushiken.

O PT, no poder, deveria modernizar o capitalismo brasileiro, encampando o programa que uma “burguesia nacional” submissa ao “imperialismo” recusava-se a conduzir.

Lula converteu a tese em estratégia, articulando a aliança entre empresas estatais, fundos de pensão e setores do alto empresariado privado que reativaria nosso capitalismo de Estado.

Numa segunda volta do parafuso, parte da renda gerada pelo mecanismo financiaria o projeto de poder, assegurando ao lulopetismo uma maioria parlamentar estável e a hegemonia perene na arena eleitoral.

O mecanismo corrupto provocou uma erosão nos alicerces da democracia.

Lula e o PT devem ser julgados por isso, mas no tribunal certo, que é o das urnas.

Não creio em bruxas.

Do Planalto, Lula avalizou pessoalmente a colonização de diretorias da Petrobras por agentes do PT, do PMDB e do PP que aplicaram as regras do jogo da corrupção, distribuindo contratos ao cartel de empreiteiras e cobrando propinas destinadas tanto a seus amos políticos quanto a formar patrimônios próprios.

A promiscuidade entre o presidente e as empreiteiras estendeu-se para além das fronteiras nacionais, gerando contratos corruptos, financiados pelo BNDES, com governantes amigos na América Latina e na África.

Lula beneficiou-se diretamente do mecanismo, por meio de palestras no exterior patrocinadas pelas empreiteiras.

Nelas, um ex-presidente que detinha a palavra final no governo da sucessora traficava influência, trocando seus bons ofícios por remunerações milionárias.

Segundo minha convicção, o tribunal dos eleitores não cobre toda a responsabilidade de Lula.

Acho que ele deve responder perante a lei por uma cadeia de atos de corrupção que lhe propiciaram benefícios políticos e materiais.

Mas, felizmente, na esfera jurídica, o que eu penso —e o que você, leitor, pensa— não tem valor nenhum.

No Estado de Direito democrático, juízes independentes ignoram o “clamor popular”, escrevendo sentenças embasadas na lei e informadas por um processo delimitado por formalidades que protegem os direitos do réu.

Fora disso, ingressamos no mundo da Justiça politizada, que é o de Putin, Erdogan e Maduro.

Sergio Moro agiu como juiz de instrução italiano, uma espécie de coordenador dos procuradores —mas no Brasil, onde inexiste essa figura, não na Itália, onde um juiz diferente profere a sentença.

Batman e Robin.

Moro e Dallagnol, comparsas, esculpiram juntos cada passo do processo, nos tabuleiros judicial e midiático.

No Partido dos Procuradores, milita também a juíza Gabriela Hardt, que copiou a sentença de Moro para fabricar a do sítio —e que, num trecho original de sua peça plagiária, trata José Aldemário Pinheiro e Leo Pinheiro, nome e apelido da testemunha-chave, como pessoas distintas.

Batman, Robin e cia merecem sentar no banco dos réus sob a acusação de fraudar o sistema de Justiça.

Lula livre, não por ele ou pelo PT, mas em defesa de um precioso bem público, de todos nós, ao qual tantos brasileiros pobres precisam ter acesso: o Estado de Direito.

Que o ex-presidente seja processado novamente, segundo os ritos legais, e julgado por magistrados sem partido.