Após ter usado o desaparecimento do pai para atacar o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, Jair Bolsonaro (PSL) negou que os militares estejam relacionados à morte dele.

Felipe é filho do pernambucano Fernando Santa Cruz, militante da Ação Popular que sumiu em 1974, durante a ditadura.

O corpo dele nunca foi encontrado.

Em uma transmissão ao vivo feita enquanto cortava o cabelo, Bolsonaro acusou o próprio grupo de matá-lo. “Com quem eu tive informações?

Com quem eu conversava na época, ora bolas”, disse. “E o pessoal da AP do Rio de Janeiro, primeiro ficaram estupefatos: ‘Como pode esse cara de Recife se encontrar conosco aqui?’.

O contato não seria com ele, seria com a cúpula da AP de Recife.

Eles resolveram sumir com o pai do Santa Cruz.

Essa é a informação que tive na época.

Qual é a tendência? ‘Se ele sabe, nós não podemos ser descobertos’.

Existia essa guerra”, afirmou.

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Em 2012, o delegado aposentado do DOPS Cláudio Guerra revelou em 2012 que ele e outros presos tiveram seus corpos incinerados no forno de uma usina em Campos, no Rio.

Fonte: Comissão da Verdade Fernando Santa Cruz nasceu em Olinda, em Pernambuco, e participou do movimento estudantil secundarista.

Ele foi preso temporariamente em 1967.

No Rio de Janeiro, para onde se mudou após a edição do AI-5, estudou direito e atuou no Diretório Central dos Estudantes (DCE) da Faculdade Federal Fluminense.

Em 1972, se mudou para São Paulo após ter sido aprovado em concurso público.

Para Bolsonaro, o que houve foi um “justiçamento”. “Não foram os militares que mataram, é muito fácil culpar os militares por tudo que acontece.

Isso mudou através do livro ‘Verdade Sufocada’, do depoimento do Brilhante Ustra, entre outras pessoas”, disse.

De autoria do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, primeiro militar reconhecido pela Justiça como torturador no período da ditadura, “Verdade Sufocada” foi apontado pelo presidente como seu livro de cabeceira.

Ustra foi citado no voto dele a favor da admissibilidade do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT).

Bolsonaro afirmou no discurso que o coronel foi o “terror” da petista.

Na live pelo Facebook, Bolsonaro defendeu a atuação dos militares no regime ditatorial e afirmo que o objetivo do que chamou de “guerra” era evitar que o Brasil se transformasse numa Cuba. “Se aquele lado, a esquerda, tivesse vencido, imagine…”, afirmou. “Ninguém duvida que havia justiçamentos do pessoal da própria esquerda”.

Felipe Santa Cruz O presidente da OAB rebateu, em nota, as declarações Bolsonaro. “Minha avó acaba de falecer, aos 105 anos, sem saber como o filho foi assassinado.

Se o presidente sabe, por ‘vivência’, tanto sobre o presente caso quanto com relação aos de todos os demais ‘desaparecidos’, nossas famílias querem saber”, afirmou Felipe Santa Cruz. “Se um dia o presidente da OAB quiser saber como o pai dele desapareceu no período militar, eu conto para ele”, disse Bolsonaro a jornalistas, mais cedo. “O mandatário da República deixa patente seu desconhecimento sobre a diferença entre público e privado, demostrando mais uma vez traços de caráter graves em um governante: a crueldade e a falta de empatia. É de se estranhar tal comportamento em um homem que se diz cristão.

Lamentavelmente, temos um presidente que trata a perda de um pai como se fosse assunto corriqueiro – e debocha do assassinato de um jovem aos 26 anos”, afirmou Felipe Santa Cruz na nota.

Adélio Bispo A declaração de Bolsonaro foi ao questionar a OAB sobre Adélio Bispo, o autor da facada que o atingiu durante a campanha presidencial do ano passado. “Por que a OAB impediu que a Polícia Federal entrasse no telefone de um dos caríssimos advogados?

Qual é a intenção da OAB?

Quem é essa OAB?”, perguntou.

O Estadão Verifica, do jornal O Estado de S.

Paulo, apontou que é falsa a informação de que o sigilo telefônico de Adélio Bispo é protegido pela Ordem dos Advogados. “A respeito da defesa das prerrogativas da advocacia brasileira, nossa principal missão, asseguro que permaneceremos irredutíveis na garantia do sigilo da comunicação entre advogado e cliente.

Garantia que é do cidadão, e não do advogado.

Vale salientar que, no episódio citado na infeliz coletiva presidencial, apenas o celular de seu representante legal foi protegido.

Jamais o do autor, sendo essa mais uma notícia falsa a se somar a tantas”, defendeu Felipe Santa Cruz. “O que realmente incomoda Bolsonaro é a defesa que fazemos da advocacia, dos direitos humanos, do meio ambiente, das minorias e de outros temas da cidadania que ele insiste em atacar.

Temas que, aliás, sempre estiveram - e sempre estarão - sob a salvaguarda da Ordem do Advogados do Brasil”, disse ainda. “Por fim, afirmo que o que une nossas gerações, a minha e a do meu pai, é o compromisso inarredável com a democracia, e por ela estamos prontos aos maiores sacrifícios.

Goste ou não o presidente.”