Do Projeto Comprova Evidência comprovada Em vídeo, uma mãe apela pela manutenção do Benefício de Prestação Continuada (BPC) que era pago ao filho portador de deficiência.
A autora do vídeo original foi encontrada pelo Comprova.
Ela confirmou a autoria e enviou cópias de documentos que comprovam a autenticidade das informações Enganoso Publicações em redes sociais agregaram informações em texto que não constam do conteúdo original para atacar o governo Bolsonaro.
No vídeo, a mãe menciona equivocadamente uma “mudança na lei” que teria levado à suspensão do benefício Contexto errado O cancelamento do subsídio foi informado à família em 2018, durante o governo Temer, e efetivado em julho de 2019.
O fato não tem relação com o governo atual O vídeo de uma mãe que carrega o filho com deficiência no colo e protesta contra a suspensão do Benefício de Prestação Continuada (BPC) que recebia está sendo utilizado de forma enganosa em redes sociais para acusar o governo Bolsonaro pelo fim do pagamento.
O Comprova apurou que a suspensão foi determinada em 2018 e que Izabel Ferreira da Silva não gravou seu desabafo com o propósito de responsabilizar o atual governo.
Como o vídeo trazia poucas informações que pudessem identificar quem de fato eram Izabel e seu filho Israel, o Comprova fez buscas no Facebook pela expressão “Israel BPC” e encontrou uma publicação da mãe datada de 29 de junho deste ano.
Ela compartilhava o vídeo postado originalmente na página do filho no mesmo dia.
A partir daí, o Comprova conversou por telefone com Izabel e entrou em contato com o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), órgão responsável pelo repasse do BPC, para confirmar os dados informados por ela.
A reportagem também consultou dados públicos sobre Izabel e o filho nos portais da transparência do governo federal e da prefeitura de Rondon do Pará (PA), uma cidade de 51 mil habitantes, distante 523 km de Belém, onde a família vive.
Além disso, usou informações públicas do Ministério da Cidadania para verificar as regras do BPC.
Ao Comprova, Izabel confirmou a autenticidade do conteúdo do vídeo.
Disse que a suspensão do benefício, que concede um salário mínimo (R$ 998,00) a pessoas com deficiência de baixa renda, foi informada a ela pelo INSS em outubro de 2018, durante a gestão do ex-presidente Michel Temer (MDB).
Quando Israel nasceu, ele teve anóxia neonatal – falta de oxigênio no cérebro – e por isso hoje é totalmente dependente.
Israel era beneficiário do BPC desde 2001, quando tinha dois anos.
Hoje ele tem dezenove.
A razão para a suspensão do benefício, segundo uma carta enviada a Izabel pelo INSS, seria a irregularidade do benefício.
Ela encaminhou fotos do documento ao Comprova.
Por e-mail, o INSS confirmou que a razão para a suspensão do benefício a Israel foi a renda familiar.
Para receber o BPC, segundo a lei, o máximo que Izabel e o filho poderiam declarar seria R$ 450,00 — ¼ de salário mínimo mensal para cada um.
Em 2018, a mãe informou que, com a remuneração como funcionária pública, recebia R$ 995,00 a mais que esse limite.
Izabel, que é agente comunitária de saúde na prefeitura de Rondon do Pará, declarou em 2018 renda mensal de R$ 1.240,00 para sustento dela e do filho.
Dividido por dois, o valor por pessoa (R$ 620,00) ultrapassa o teto de ¼ de salário mínimo (R$ 245,00) per capita definido na lei n. 8.742, de 1993, que estabelece os critérios para que uma pessoa tenha direito a receber o BPC.
Depois de receber a carta do INSS, que dava à família a oportunidade de contestar a determinação, Izabel conta que apresentou recurso ao órgão defendendo que a remuneração que recebia, apesar de ultrapassar o limite legal do BPC, não era suficiente para sustentar os cuidados de que Israel necessita.
O pedido de Izabel não foi aceito.
Atualmente, de acordo com o portal da transparência de Rondon do Pará, sua remuneração é de R$ 1.730,29.
No entanto, segundo Izabel, o valor não é suficiente para bancar os cuidados com o filho.
Ela contou ao Comprova que gasta cerca de R$ 350,00 mensais para pagar uma cuidadora para o filho por meio período, enquanto está no trabalho.
Outros R$ 350,00 são gastos em fraldas, e mais R$ 125,00 com farmácia –além dos gastos da casa.
Apesar de ter sido anunciada em setembro, a suspensão do BPC começa de fato a partir de julho de 2019, segundo Izabel.
Ao Comprova, ela disse que decidiu produzir o vídeo depois de um “momento de desespero” no último mês, quando viu que “a comida na geladeira estava acabando” e que ela estava prestes a usar o último pacote de fraldas.
No vídeo, Izabel menciona incorretamente uma “mudança na lei” que teria levado à suspensão do benefício.
Isso na verdade não ocorreu.
O que aconteceu foi que em 2018 o governo Temer fez uma varredura nos cadastros dos beneficiários e suspendeu o BPC daqueles que não obedeciam às regras previstas em lei.
Portanto, não houve alteração nas regras do subsídio.
A primeira publicação do vídeo, que agora circula nas redes sociais, é do perfil no Facebook de Israel, de 16 de junho de 2019.
Em seguida, o conteúdo foi compartilhado em dezenas de canais no YouTube e em contas de outras redes sociais por pessoas que, na maioria, demonstraram solidariedade com a história de Izabel e do filho.
O pedido de ajuda de Izabel obteve maior alcance quando o vídeo foi divulgado, em meados de julho, por páginas no Facebook como Fora, Temer, Presidente Zé de Abreu e Não à Reforma da Previdência.
As páginas atribuíram a suspensão do BPC de Israel a Bolsonaro, cujo governo foi chamado de “cruel e desumano”.
As postagens somaram, respectivamente, 2,3 mil, 9,3 mil e 4 mil compartilhamentos.
As medições são do dia 24 de julho de 2019.
Izabel contou ao Comprova que sua intenção com o vídeo é fazer sua situação chegar a Bolsonaro, em quem confia para “fazer mudanças” na legislação, incluindo famílias como a dela e de Israel entre aquelas com direito ao BPC.
No próprio vídeo, Izabel faz um apelo a Bolsonaro e diz que espera mudanças.
Entenda o Benefício de Prestação Continuada (BPC) A suspensão do benefício de Israel, anunciada em outubro, coincidiu com um período em que o governo de Michel Temer concentrou esforços para identificar irregularidades no BPC e em outros programas sociais, a partir do segundo semestre de 2018.
Uma notícia do portal G1 mostra que, em agosto do ano passado, o INSS havia detectado 151 mil casos como o da família de Israel — cuja renda mensal ultrapassava o teto de ¼ de salário mínimo per capita.
Além de pessoas com deficiência, o BPC contempla idosos com idade de 65 anos ou mais, de baixa renda, que apresentam impedimentos de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
As regras do benefício estão definidas dos artigos 20 a 21-A da Lei Orgânica de Assistência Social (Lei n. 8.742, de 1993), que trata deste e de outros benefícios.
Tanto a proposta de reforma da Previdência de Michel Temer, apresentada em 2017, quanto a de Jair Bolsonaro, apresentada em fevereiro de 2019, previam originalmente o endurecimento das regras do benefício.
A mudança, no entanto, enfrentou resistência no Congresso desde o início, em ambos os governos.
Em abril de 2019, referindo-se ao projeto de Bolsonaro, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirmou que tinha certeza de que os líderes de partido na Casa derrubariam a ideia — o que realmente aconteceu.
Após a votação em primeiro turno da reforma da Previdência na Câmara, em julho de 2019, mantiveram-se inalteradas as regras para se ter direito ao benefício.
Nem a proposta de reforma original de Temer nem a de Bolsonaro têm influência em casos como o de Israel.
Para saber mais O que é o BPC e quantas pessoas recebem esse benefício – Texto de Caroline Souza e Gabriel Zanlorenssi publicado no Nexo em 25 de junho de 2019.
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