Por Fillipe Vilar, especial para o Blog de Jamildo O cineasta Josias Teófilo foi autorizado pela Agência Nacional do Cinema (Ancine) a captar R$ 510 mil para a realização do filme “Nem Tudo Se Desfaz”, que trata do contexto que levou à eleição de Jair Bolsonaro (PSL) para presidente.
O anúncio vem em meio a falas do presidente contra a atuação da agência.
Teófilo, que dirigiu o documentário “O Jardim das Aflições” (2017), sobre o filósofo Olavo de Carvalho, é levado em alta conta por setores de direita ligados ao governo.
O deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) e o próprio Carvalho, considerado ideólogo do chamado “bolsonarismo”, repercutiram o anúncio do novo filme em suas redes sociais.
O diretor, que classifica sua nova obra como “urgente”, concedeu entrevista ao Blog de Jamildo.
Segue abaixo a conversa, por WhatsApp: Blog de Jamildo - O filme vem na onda de documentários como Democracia em Vertigem, O Processo e uma série de outros que tratam do processo político dos últimos anos.
Como você colocaria o “Nem Tudo Se Desfaz” nessa leva?
Josias Teófilo - Eu quero inovar fazendo um filme bom.
Blog de Jamildo - Está em que fase de produção?
Josias Teófilo - Estou fazendo roteiro de montagem.
Ou seja, em fase de produção.
Blog de Jamildo - Você considera o seu filme um contraponto a esses outros?
Josias Teófilo - Não, o filme já existia como projeto há sete meses.
Blog de Jamildo - “O Processo” foi lançado em maio do ano passado, por exemplo, por isso a pergunta.
Josias Teófilo - “O Processo” só trata do impeachment, e num recorte bem específico.
Blog de Jamildo - Repercutiu na imprensa a liberação da Ancine para a captação de R$ 510 mil para o filme.
O “Nem Tudo Se Desfaz” foi anunciado por algumas figuras importantes da direita brasileira e a notícia dessa liberação vem em meio a algumas declarações do presidente sobre um “filtro” no órgão, que chegou a ser ameaçado de fechamento.
Como você avalia esse contexto?
Josias Teófilo - Eu fui autorizado a captar, não captei ainda.
O presidente tem se indignado contra o lixo que tem sido produzido no cinema brasileiro, e tem todo direito.
De fato, tem muita gente insatisfeita com a Lei Rouanet e Lei do Audiovisual, e não é só na direita, na esquerda também.
Blog de Jamildo - No Twitter você se manifestou a favor da captação de recursos de forma pública para obras cinematográficas, citou clássicos como Noites de Cabíria (Federico Fellini, 1957) e defendeu que grandes filmes também podem ser feitos sobre prostitutas, ladrões, etc.
Foi criticado por alguns seguidores, que acreditam que nenhum filme precise de dinheiro público.
Reitera esse posicionamento?
Josias Teófilo - Sim, no sentido de que qualquer tema a princípio, pode render um bom filme.
Mas eu entendo perfeitamente quem critica o uso de recursos públicos para filmes específicos.
Muita gente aqui disse que o estado não deveria financiar arte.
Tem todo direito de pensar assim e eu entendo.
Mas você quer mesmo que as orquestras acabem, que as óperas não sejam mais feitas no Brasil?
Ou só se deve cancelar os recursos para o cinema? — Josias Teófilo (@josiasteofilo) 19 de julho de 2019 Observe os temas das grandes óperas: prostituição, traição, assassinato, guerras.
A questão em arte não é o tema mas a forma. — Josias Teófilo (@josiasteofilo) 19 de julho de 2019 Le soldatesse (1965) True Romance (1993) E o melhor de todos: Les Dames du bois de Boulogne (1945) Importante ressaltar que boa parte desses filmes receberam recursos públicos ou incentivos fiscais. — Josias Teófilo (@josiasteofilo) 19 de julho de 2019 Blog de Jamildo - Quais as críticas que você considera pertinentes sobre uso de recursos públicos para filmes?
Josias Teófilo - Eu acho que o grande problema são os editais, que julgam o mérito artístico dos projetos, e são compostos por gente de esquerda.
Nenhum filme meu poderia passar num edital, por exemplo, por causa dessa instrumentalização da cultura para fins políticos.
Blog de Jamildo - O seu outro longa, “O Jardim das Aflições”, foi financiado por crowdfunding.
Por que não usar o mesmo método na produção do “Nem Tudo Se Desfaz”?
Como vai ser feita a captação dos recursos autorizados?
Josias Teófilo - Porque um crowdfunding demoraria muito.
O Jardim, por exemplo, levou um ano ao todo para ser financiado.
E esse filme é mais urgente, porque trata sobre fatos recente história política brasileira.
Blog de Jamildo - Fazendo novamente a comparação com outros documentários sobre o mesmo tema, quais as suas influências na construção da sua narrativa?
Josias Teófilo - Não acho que tive influência desses documentários, eu costumo ter referências melhores.
Blog de Jamildo - Quais referências?
Josias Teófilo - Esteticamente acho que a grande referência é “The Vietnam War”, de Ken Burns, no uso de narração e entrevistas.
Blog de Jamildo - Tem algum outro comentário sobre o “Nem Tudo Se Desfaz” que gostaria de registrar?
Josias Teófilo - Observe que para fazer um filme sobre a eleição de Bolsonaro, como eu estou fazendo, não é preciso fazer nenhum julgamento de valor sobre o próprio Bolsonaro.
Só que a esquerda não vai aceitar jamais que se mostre no cinema o movimento popular que levou à queda de Dilma, por exemplo.
Inclusive, no filme existem entrevistados de esquerda.
Blog de Jamildo - Você considera o seu filme posicionado à direita?
Josias Teófilo - Não, porque isso não existe.
Os critérios políticos não se aplicam a arte. É como se perguntar se a “Nona Sinfonia” (de Beethoven) é doce ou salgada.
Blog de Jamildo - Os filmes anteriores que tratam do impeachment e do movimento que culminou com a eleição de Bolsonaro não são de esquerda?
Josias Teófilo - Não, são ruins.
Blog de Jamildo - Anteriormente, tinha ouvido falar que você estava fazendo um filme sobre igrejas na Rússia.
Esse projeto ainda está em andamento?
Josias Teófilo - Sim, é “Iconostasis”, está.
Blog de Jamildo - Em que fase?
Também foi financiado por crowdfunding?
Josias Teófilo - Está em fase inicial, pretendo realizar no próximo ano.