Por Márcio Mendes de Oliveira, em artigo enviado ao blog Há exatos 10 anos, após um esforço conjunto do MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL, PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE JABOATÃO e RECIFE, do CPRH, das PREFEITURAS e CÂMARAS DE VEREADORES DE JABOATÃO, MORENO E RECIFE, bem como da JUSTIÇA PERNAMBUCANA, no dia 17 de julho de 2009, estava-se virando uma página triste da história de Pernambuco e do Brasil, o FECHAMENTO, em definitivo, do ATERRO SANITÁRIO DA MURIBECA, muito mais conhecido como o LIXÃO DA MURIBECA.
O LIXÃO deixou de funcionar, por completo, no dia 17 de julho de 2009, depois de servir por mais de duas décadas como destino para os resíduos sólidos das cidades de Recife, Jaboatão dos Guararapes, Cabo e Moreno.
Na época, atuando como Secretário Especial de Meio Ambiente de Jaboatão dos Guararapes, me recordo do ambiente “nervoso”, “desarmonioso” e “conflituoso” em que se davam as tratativas de encerramento das atividades do lixão.
As reuniões eram tensas e as polarizações políticas da época entre o Prefeito do Recife, JOÃO DA COSTA e o de Jaboatão dos Guararapes, ELIAS GOMES, criaram um ambiente belicoso, tanto é verdade que se precisou da intervenção da justiça, com determinação de prisão de alguns gestores públicos, para que só então o TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA (TAC), celebrado em 2008, viesse a ser respeitado e cumprido.
Me recordo que o Ministério Público de Pernambuco solicitou, à época, a prisão, por crime ambiental, dos presidentes da Agência Estadual de Meio Ambiente (CPRH), Hélio Gurgel; do secretário de Serviços Urbanos do Recife, José Humberto Cavalcanti; do presidente da Emlurb (Empresa de Manutenção e Limpeza Urbana), Carlos Muniz, bem como o diretor de Fontes Poluidoras da CPRH, Waldecy Ferreira.
O ex-prefeito do Recife João Paulo (PT) também foi denunciado, mas não teve a prisão requerida, uma vez que, no seu caso, o flagrante não estava configurado.
Todos eles foram denunciados porque não teriam cumprido a obrigação de encerrar imediatamente as atividades do Lixão da Muribeca, em Jaboatão.
A denúncia foi formulada, à época, pelos promotores de Defesa do Meio Ambiente Flávio Falcão e André Silvani, e fora protocolada no dia 09 de julho de 2009, perante a 1ª Vara Criminal de Jaboatão dos Guararapes.
Além da prisão, a promotoria pedia que a Polícia Militar (PM) impedisse o depósito de resíduos sólidos no lixão.
Por possuir foro privilegiado, o prefeito do Recife, João da Costa (PT), ficou de fora da ação, visto que só poderia ser denunciado pelo procurador geral de Justiça, na época, o Dr.
Paulo Varejão.
No dia 17 de julho a decisão foi integralmente cumprida e o lixão da Muribeca de uma vez por todas fechado.
O parágrafo 1º do mencionado TAC ( TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA ), dispunha que: ” o presente termo de ajustamento e aditamento de conduta tem por escopo o encerramento das atividades do Aterro da Muribeca; a remediação do passivo sócio-ambiental por ele gerado; a criação e instalação de centrais de triagem, a implantação de Políticas Públicas de Coleta Seletiva e a correta destinação Final de resíduos sólidos, inclusive da construção civil; a execução de uma política de educação ambiental, incluindo a realização de campanhas publicitárias; e a neutralização das emissões de carbono geradas pelo empreendimento”.
Assinado ainda em 2008, o TAC atribuiu à Prefeitura do Recife, por se tratar da cidade que mais produzia e destinava seus resíduos sólidos por décadas no lixão, a solução para o chorume, líquido altamente poluente originado de processos biológicos, químicos e físicos da decomposição de resíduos orgânicos depositados em lixões e aterros sanitários.
O antigo Lixão da Muribeca, que era um dos maiores da América do Sul, liberava 7m³/hora de chorume, o equivalente a 150m³/dia e a cerca de 60 mil m³/ano. É como se um estádio de futebol do porte do Náutico ou da Ilha do Retiro, cheios de chorume fossem derramados ao longo do ano no Rio Jaboatão, que desemboca nas praias de Barra de Jangada e do Paiva.
Ressalte-se que a carga poluente do chorume é dez vezes maior que a do esgoto doméstico, de maneira que a vida natural no rio foi completamente comprometida desde as imediações do lixão até a foz, além dos muitos problemas causados aos pescadores e à população ribeirinha.
Além do despejo do chorume diretamente no Rio Jaboatão, que causava riscos à saúde das pessoas e mortandade da fauna aquática, verificou-se, a inexistência de mantas de impermeabilização do solo, o que causava a contaminação do lençol freático que abastecia de água (através de poços artesianos), a comunidade circunvizinha, tendo, na época, a COMPESA paralisado o fornecimento de água para a população.
Não havia a promoção de incineração dos gases decorrentes do lixão, poluindo a atmosfera com o gás metano que é muitas vezes mais poluente que o gás carbônico, bem como não havia a cobertura adequada e diária do lixo, permitindo a proliferação de vetores de doenças, bem como a atração de aves ( urubus e garças ) o que causava também sério perigo à aviação, já que o lixão encontrava-se localizado na asa de aproximação do Aeroporto Internacional dos Guararapes, sem falar no passivo social, onde mais de 1.200 catadores de lixo, entre crianças e adultos, viviam em condições sub humanas.
Com o encerramento das atividades do lixão em julho de 2009, passou-se então a uma outra etapa, a mitigação do passivo sócio-ambiental, visto que mesmo com a desativação, um monumental passivo ambiental foi deixado e até então esquecido pela Prefeitura do Recife, que geria o lixão, apesar dele localizar-se em Jaboatão dos Guararapes.
Me recordo que o chorume passou a ser processado na Central de Tratamento de Resíduos (CTR Candeias), localizada próximo ao antigo lixão, às margens da Estrada da Integração, no bairro da Muribeca.
A idéia era que o todo chorume ficasse acumulado em lagoas de estabilização de onde seria transferido através de um emissário tubular para a unidade de tratamento de chorume da CTR-Candeias.
Nesse local receberia o tratamento químico, físico e biológico complementar que reduziria a carga tóxica à limites aceitáveis para sua reinserção na natureza em forma de água límpida e tratada.
Parte dessa água seria utilizada no próprio manejo da CTR e o restante seria lançada no leito do rio, já sem comprometer sua qualidade ambiental.
O tratamento do efluente líquido, do chorume, do antigo lixão era a parte mais visível da mitigação do passivo ambiental, dos impactos ambientais gerados pela operação continuada por mais de duas décadas que um aterro de lixo a céu aberto impôs ao território no qual foi implantado e ao seu entorno.
Entretanto, muito mais ainda havia de ser realizado.
Aspectos como a implantação de um sistema de monitoramento do impacto do lixão no subsolo e no lençol freático e a verificação do repovoamento de espécies animais e de vegetação nativa, eram medidas que precisavam ser tomadas.
Elas dariam sequencia à ação iniciada pela Prefeitura do Recife mediante as exigências de cumprimento dos termos do TAC.
Me recordo de avanços sociais na atenção aos catadores.
Gente que no lixão disputava restos de comida com urubus e que de tanto conviver com o lixo assim também se sentia, conforme vários relatos.
O Lixão da Muribeca abrigava em 2009, exatos 1268 catadores.
Desses, mais de 90% residiam no entorno do aterro sanitário, e pelo TAC ( termo de ajustamento de conduta ), a responsabilidade do passivo sócio/ambiental pertinente a Jaboatão, era de 20% desse total, a do Recife 77%, ou seja 977 catadores, 3% ao município de Moreno, restando ao município de Jaboatão a responsabilidade sócio/ambiental sobre uma cota de 149 homens e 105 mulheres, totalizando 254 catadores.
Naquele momento, demos início a criação de uma programa de assistência aos 254 ex-catadores que cabiam ao município de Jaboatão.
Eles receberam uma bolsa-auxílio no valor de um salário mínimo pelo período de seis meses e capacitação que incluiu aulas de contabilidade, associativismo, educação ambiental, saúde, cooperativismo, disciplina, hierarquia e cidadania.
Os homens também aprenderam, na prática, varrição e capinação, enquanto as mulheres atuaram na limpeza em unidades de saúde, creches e escolas.
Em paralelo iniciamos também o Projeto de Coleta Seletiva, que tinha como meta inicial reciclar cerca de três mil toneladas/mês, o equivalente a 100 carretas.
O projeto previa a empregabilidade de 750 catadores, o que permitiria a contratação de todos os 254 catadores do Lixão da Muribeca que até lá não conseguissem se inserir no mercado de trabalho, pós capacitação. 10 anos se passaram e recentemente o programa de coleta seletiva de Jaboatão dos Guararapes recebeu, no último dia 24/06, na cidade de Baku, na república do Azerbaijão, o prêmio da ONU - United Nations Public Service Awards, concedido a gestões públicas que promovem ações de destaque em direitos humanos e erradicação da pobreza.
O fim das operações no Aterro da Muribeca não implica que o dano ambiental cessou e foi mitigado.
A sociedade pernambucana, em especial a da região metropolitana do Recife, tem o direito e o dever de acompanhar como andam, como estão as medidas reparadoras/mitigatórias do ambiente impactado.
O TAC, vem sendo efetivamente cumprido ?
Qual o destino será ou tem sido dado para esse espaço que mede 60 hectares ?
Se completamente restaurado, poderia se transformar em uma das mais importantes áreas verdes da Região Metropolitana do Recife, num verdadeiro pulmão metropolitano ?
Com a palavra os atuais gestores da prefeitura do Recife, de Jaboatão dos Guararapes, do CPRH e das Promotorias de Justiça de Recife e Jaboatão.
Márcio Mendes de Oliveira é advogado, consultor empresarial e ex-secretário de Meio Ambiente de Jaboatão