Políticos X políticas públicas.
Quando há continuidade, quem ganha é a sociedade Por Márcio Mendes de Oliveira, em artigo enviado ao blog Neste dia 24/06, o programa de Coleta Seletiva de Jaboatão dos Guararapes receberá, na cidade de Baku, na república do Azerbaijão, o prêmio da ONU - United Nations Public Service Awards, concedido a gestões públicas que promovem ações de destaque em direitos humanos e erradicação da pobreza.
O United Nations Public Service Awards é dado a gestões públicas que promovem ações de destaque em direitos humanos e erradicação da pobreza.
O United Nations Public Service Awards é concedido a práticas de excelência no setor público e de apoio ao fomento de objetivos de desenvolvimento sustentável.
Ao tomar conhecimento dessa notícia, sentimentos de alegria, orgulho, capacidade e esperança de um Brasil melhor me invadiu.
Mas para entender esses sentimentos, voltemos no tempo, há 10 anos atrás, quando tive a honra de exercer o cargo de Secretário de Meio Ambiente, na gestão do então prefeito de Jaboatão Elias Gomes.
Após grandes debates e embates políticos, o fechamento do aterro sanitário, conhecido como o lixão da Muribeca, ocorrido no dia 2 de julho de 2009, decorrente de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado pelo Ministério Público de Pernambuco (MPPE) e as Prefeituras de Jaboatão dos Guararapes, Recife e Moreno, deu origem ao maior programa de coleta seletiva do Nordeste.
Recordemos.
O Lixão da Muribeca abrigava em 2009, exatos 1268 catadores.
Desses, mais de 90% residiam no entorno do aterro sanitário, e pelo TAC ( termo de ajustamento de conduta ), a responsabilidade do passivo sócio/ambiental pertinente a Jaboatão, era de 20% desse total, a do Recife 77%, 3% ao município de Moreno, restando ao município de Jaboatão a responsabilidade sócio/ambiental sobre uma cota de 149 homens e 105 mulheres, totalizando 254 catadores.
Naquele momento deu-se início a criação de uma programa de assistência aos 254 ex-catadores que cabiam ao município de Jaboatão.
Eles receberam uma bolsa-auxílio no valor de um salário mínimo pelo período de seis meses e capacitação que incluiu aulas de contabilidade, associativismo, educação ambiental, saúde, cooperativismo, disciplina, hierarquia e cidadania.
Os homens também aprenderam, na prática, varrição e capinação, enquanto as mulheres atuaram na limpeza em unidades de saúde, creches e escolas.
Em paralelo deu-se início ao Projeto de Coleta Seletiva, que tinha como meta inicial reciclar cerca de três mil toneladas/mês, o equivalente a 100 carretas.
O projeto previa a empregabilidade de 750 catadores, o que permitiria a contratação de todos os 254 catadores do Lixão da Muribeca que até lá não conseguissem se inserir no mercado de trabalho, pós capacitação.
O projeto inicialmente previa a instalação de uma Central de Comercialização e de 30 galpões que seriam distribuídos por todo o município.
Em fevereiro de 2010, já haviam 04 galpões construídos.
O conceito inicial era a de construção de um galpão para cada 25 mil habitantes e cada galpão acolheria entre 20 a 25 catadores, que receberiam carroças customizadas e equipamentos adequados.
Dos galpões o material seguiria em caminhões baú para a Central Única de Comercialização.
A distribuição geográfica possibilitaria a cada catador reciclar cerca de quatro toneladas/mês e assim obter uma renda média mensal de R$ 500,00, valores de 2009.
Parcerias com a iniciativa privada foram firmadas, como por exemplo com Companhia Industrial de Vidros (CIV) e o projeto foi iniciado.
Recordo-me que o que havia no lixão era um regime de semi-escravidão, com os ex-catadores trabalhando em condições subumanas, totalmente dependentes dos atravessadores.
Me vem a memória as reuniões tensas, difíceis que travamos, as críticas de setores da sociedade que não compreendiam o alcance dos projetos, mas essa luta realizada e iniciada em nossa gestão não foi em vão, tanto é verdade que rendeu frutos.
Como se fosse uma semente lançada em prol de se restabelecer a dignidade do ser humano, a dignidade de centenas de famílias.
Logo no início, uma campanha de sensibilização e participação da população foi realizada, tendo os moradores de Jaboatão recebido sacos plásticos na cor verde para juntar o lixo seco, que era coletado uma ou duas vezes por semana, de acordo com a localização.
A expectativa que existia na época era que Jaboatão pudesse alcançar o índice de reciclagem alcançado pela cidade de Londrina (PR), na ordem de 34%, que servia e ainda serve de referência no país.
O lixo que um dia tirava a dignidade dos catadores era e é o mesmo lixo que devolveu e devolve a dignidade, trazendo uma vida nova a centenas de famílias.
Hoje Jaboatão recebe um prêmio, um reconhecimento da ONU pela política pública de reciclagem de lixo e inclusão social.
Foram avaliados requisitos como erradicação da pobreza, saúde e bem estar, redução das desigualdades, emprego digno, crescimento econômico e sustentabilidade. É um selo que denuncia que estávamos certos em dar início a esse tão belo e necessário projeto.
Que valeu à pena lutarmos pelas nossas convicções sócio-ambientais.
Parabenizo à todos os atores envolvidos no encerramento das atividades do lixão da Muribeca, em especial ao Promotor de Justiça Flávio Falcão, à todos os membros da SEMA – SECRETARIA ESPECIAL DO MEIO AMBIENTE, em especial ao Rodolfo Aureliano, Rômulo Montenegro, ao Prefeito Elias Gomes, por ter acreditado e apoiado o projeto na sua origem, bem como ao atual prefeito de Jaboatão, Anderson Ferreira, por ter dado continuidade e aperfeiçoado o projeto iniciado em 2009.
Imagino como seria fantástico e onde estaríamos hoje, se no Brasil as boas políticas públicas tivessem continuidade e não fossem projetos personalizados e personificados nas figuras de seus gestores, mas um marco de evolução da sociedade civil.
Tenho convicção que sociedade alguma conseguiu sair da barbárie para o primeiro mundo da noite para o dia, como num passe de mágicas. É um processo, são décadas, séculos de amadurecimento e construção.
Parabéns Jaboatão pelo prêmio mais do que merecido.
Muito ainda há de ser realizado.
Precisamos construir uma mudança de cultura, onde a população seja motivada a contribuir de forma consciente, separando o lixo, que a conscientização dos estudantes nas escolas seja uma realidade perene, constante, formando novas gerações, e que o programa que hoje é premiado seja ampliado para que um dia alcancemos um nível de conscientização, participação popular, e de coleta universal para toda a cidade de Jaboatão, proporcionando inclusão social e preservação ambiental.
Parabéns recicladores, parabéns gestores, parabéns Jaboatão !!!
Márcio Mendes de OLiveira é advogado, consultor empresarial e ex-secretário de Meio Ambiente do município de Jaboatão dos Guararapes