O líder do PT no Senado, Humberto Costa, reconheceu que, após as últimas derrotas eleitorais, o partido precisa fazer “uma profunda avaliação”.
A declaração foi em entrevista ao cientista político Antonio Lavareda, no programa 20 Minutos, exibido neste sábado (15), na TV Jornal.
O petista também defendeu a construção de uma aliança nacionalmente com outros partidos de esquerda para as eleições de 2020, mas classificou o Recife como um caso “complexo” e afirmou que a sigla tem na capital pernambucana “um nome importante”, sem citar o de Marília Arraes.
Antonio Lavareda - Um estudo um mês após as eleições indicou que 67% dos eleitores brasileiros não sabiam citar o nome dos senadores dos respectivos estados.
O que os senadores podem fazer para começar a reverter esse quadro?
Humberto Costa - Eu acho que primeiramente é importante levar em consideração que essa foi uma eleição muito atípica, no sentido de que muita gente não votou especialmente para o Senado.
Quer dizer, o número de votos em branco, nulos e de não comparecimento foi muito grande.
Então isso, de certa forma, já tem um certo peso numa pesquisa como essa.
Segundo, a eleição do Senado nunca tem a mesma dimensão e a mesma importância para o eleitor do que tem a eleição para o presidente da República, para o governador do Estado, onde as pessoas sempre pensam e sabem que têm uma maior condição de mudar ou de manter a sua vida na condição em que está.
Em muitos estados, inclusive aqui no Nordeste, a eleição do senador é muito vinculada à do governador, às vezes passa até a impressão ao eleitor de que o senador é como se fosse uma espécie de assessor, de auxiliar do próprio governador.
Mas é óbvio também que o Poder Legislativo como um todo já passa há algum tempo por um processo de desgaste grande.
Eu até tenho me surpreendido com algum algumas pesquisas recentes que mostram a credibilidade do Congresso Nacional um pouco maior do que em outros momentos.
Eu acho que, para enfrentarmos esse problema, e o primeiro deles é essa coisa da transparência, eu acho que a TV Senado e a Rádio Senado já ajudam um pouco nesse processo.
Segundo, se nós levarmos um debate qualificado para dentro do Senado, se, agora por intermédio das redes sociais, nós pudermos levar questões importantes para a população e não apenas isso que acontece hoje, que são questões praticamente bipolares e você ser contra ou a favor, eu acho que a gente pode dar uma ajuda para esse cenário melhorar.
Antonio Lavareda - O governo Bolsonaro emitiu até agora 150 decretos.
Como o senador vê isso?
Humberto Costa - É o estilo Bolsonaro.
Todos nós conhecemos a postura política dele, as suas posições e ele sempre se caracterizou por um posicionamento e uma forma de agir extremamente autoritária.
Ele inclusive já se vangloriou dessa possibilidade que tem de emitir decretos e comparou a sua caneta com a do presidente da Câmara, portanto, isso é algo que nós já esperávamos.
Isso para nós é muito ruim, porque, em primeiro lugar, nos obriga a enfrentar, muitas vezes, o fato de que, ou pela própria visão de Bolsonaro ou pela fragilidade daqueles que dão assessoramento ao presidente, muitas vezes temos sido obrigados a restringir o alcance desses decretos que têm invadido aquela que é prerrogativa do Congresso Nacional, que é de legislar.
Isso é ruim para nós, que ficamos obrigados aqui e ali, ao invés de estarmos trabalhando para a construção de novas leis.
Ficamos preocupados em cancelar determinadas decisões do governo e, por outro lado, uma das coisas que foram muito marcantes nessa eleição foi, para o lado bom e para o lado ruim, uma maior participação da população por meio das redes sociais, por meio de outros mecanismos.
Nós temos alguém que à frente do governo pouco se preocupa com isso, vai um pouco na contramão disso que a cidadania acumulou nesse último tempo.
O presidente Bolsonaro, por exemplo, agora recentemente extinguiu vários conselhos que trabalhavam debatendo e assessorando determinadas políticas, o que é ruim para o Brasil e fragiliza uma democracia que nós temos, que já não é, digamos assim, das mais exuberantes.
Eu creio que cria inclusive um ambiente ruim com Congresso Nacional.
Antonio Lavareda - O seu partido está fazendo oposição à reforma da Previdência.
Pode flexibilizar para ajudar o País e os desempregados para a aprovação?
Humberto Costa - É importante dizer que, se nós tivéssemos vencido a eleição, certamente a primeira medida de relevância do governo não seria uma reforma da Previdência.
Nós temos uma visão de que precisaríamos principalmente usar os investimentos públicos para gerar algum tipo de atividade econômica.
Teríamos que enfrentar o problema do endividamento das famílias e também, obviamente, que buscar a atração de investimentos internacionais.
Ou seja, só pelo investimento público, pelo investimento privado, pelo consumo das famílias, que nós podemos fazer a economia avançar.
Um dos problemas da Previdência Social, que é conjuntural, especialmente para essa área do regime geral da Previdência Social, que é a arrecadação menor do que os gastos, nós não poderíamos enfrentar.
Na verdade nós entendemos que a Previdência no Brasil precisa de ajustes, até porque nós fizemos três reformas da Previdência.
O nosso problema não é preconceito e fazer reforma, mas é entender qual é a prioridade que essa reforma deve ter na proposta do governo.
Um ponto com qual nós não concordamos é que o governo pretende eliminar uma espécie de sistema de proteção social incipiente que foi criado pela constituição de 1988, ou seja, lá em 1988, nós decidimos que qualquer brasileiro ou brasileira que, tendo contribuído ou não chegasse a uma idade que não pudesse mais trabalhar, podia ter um benefício.
Isso inclusive não é nenhum benefício previdenciário e o governo atual pretende acabar ou reduzir a amplitude desse benefício.
O que nós achamos é que nós temos que fazer ajustes para acompanhar um dado de realidade, que é um envelhecimento maior, a melhoria da condição de vida, e isso todo País faz, um ajuste.
A outra questão, que é do funcionalismo público, essa, sim, precisa de um ajuste importante.
Prefeituras governos estaduais e o próprio governo federal vivem um déficit importante pelo fato de que, apesar de a reforma que Lula fez ter definido alguns parâmetros importantes, como teto de benefício do mesmo valor que tem o regime geral e a criação do Funpresp, mas ainda assim existe um passivo que é muito alto e muito difícil de ser enfrentado pelo poder público.
Se não houver novas regras para essa transição então não se trata de preconceito e nem de uma posição completamente fechada, mas o regime geral não seria na nossa visão o que deveria ser atacado prioritariamente.
Antonio Lavareda - Qual a sua opinião sobre as consequências que poderão advir da divulgação das conversas do então juiz Sérgio Moro com membros do Ministério Público?
Humberto Costa - Em se considerando que sejam verdadeiras as revelações, elas são muito graves e a maior gravidade é de que muitos desses fatos representam um ataque frontal ao Estado de Direito.
Nós temos duas instituições extremamente importantes no contexto do arcabouço da nossa democracia, que são o Poder Judiciário e o Ministério Público e que, no meu ponto de vista, ficaram muito maculadas com as revelações que o The Intercept fez.
Eu digo do Estado de Direito porque eu fico imaginando se alguém como Lula, que foi presidente da República, que é uma personalidade internacional, que liderava as pesquisas de opinião pode ter sido vítima de uma série de abusos de autoridade praticados pelo juiz Moro, pelos procuradores da Lava Jato, imagine outras pessoas que foram envolvidas nesse processo.
Quantas injustiças ou quantos abusos podem ter sido realizados e cometidos.
Também falo do comprometimento da democracia, porque as revelações mostram uma preocupação muito grande tanto do juiz quanto dos procuradores com o resultado eleitoral de 2018, que não cabe a nenhum deles, muito menos ao longo de um processo judicial. É estabelecer conexões entre essas duas coisas ou buscar interferir dentro do processo eleitoral.
E nós vemos assim também com muita preocupação porque esse tipo de revelação às vezes desperta paixões muito grandes, e nós não podemos nos mover por isso apesar de todo o prejuízo que nós sofremos.
Tudo que nós estamos querendo agora é uma investigação que seja séria, que seja profunda, que envolva o Conselho Nacional de Justiça, o Conselho Nacional do Ministério Público, o Supremo Tribunal Federal, o próprio Congresso Nacional.
Que se dê com absoluto e total respeito à legalidade, dando a Moro inclusive aquilo que ele deu a muito pouca gente: o benefício da dúvida e a possibilidade de se defender.
E que, ao final disso, nós possamos sair mais fortalecidos na nossa democracia.
Acho que isso é o mais importante, mais importante do que qualquer tipo de revanche.
Antonio Lavareda - Bolsonaro sancionou recentemente uma lei aprovada pelo Congresso para a internação involuntária de dependentes químicos.
Qual é a sua opinião, como médico, inclusive?
Humberto Costa - Essa lei é um grande retrocesso no meu ponto de vista.
Não tem uma base científica para ser implementada, inclusive até mesmo pesquisas feitas por uma instituição respeitada, como a Fiocruz foram ignoradas completamente pelo governo.
O mais grave é que todos nós sabemos que a doença mental, de um modo geral, e a dependência química, de uma maneira mais particular, são situações, são patologias em que os fatores que interferem para o desencadeamento da doença são vários, desde as propensões genéticas, passando pelas condições de vida, pela possibilidade de exposição à bebida ou à droga e, portanto, não pode ser tratado como se houvesse uma única forma de tratamento.
Essa é a grande divergência.
Nós respeitamos um trabalho que as comunidades terapêuticas podem fazer de acolhimento, de ajuda, assim como, no combate ao alcoolismo, alcoólicos anônimos para muita gente representam uma boa forma de terapia.
Mas isso não é válido para todos, então nós temos que trabalhar de modo que a nossa visão sobre o problema e sobre a solução seja uma visão holística e essa lei praticamente joga para a comunidade terapêutica, inclusive sem regulamentar adequadamente o funcionamento delas, a possibilidade do tratamento.
A outra questão é que a reforma psiquiátrica já havia ordenado a internação compulsória, restringia apenas aos parentes a possibilidade de pedir o internamento e agora abre de uma forma tal que fenômenos que aconteceram no passado na psiquiatria brasileira podem retornar: pessoas que estão internadas contra sua vontade e sem justificativa, problemas de ordem familiar de disputas internas na família que fazem com que alguém seja internado, o próprio descaso da família com o paciente.
Então é uma lei muito perigosa e um grande retrocesso.
Antonio Lavareda - O que o PT tem feito para resgatar a imagem além de se opor ao governo Bolsonaro?
Humberto Costa - Eu acredito que o PT precisa de fato fazer uma profunda avaliação e repensar a sua trajetória, o seu futuro.
No ano que vem, nós vamos completar 40 anos de existência em uma história de 520 anos que o Brasil tem.
Isso é muito pouco tempo e nele o PT já cumpriu um papel histórico muito importante.
Mas eu acredito que ele ainda tem muito a cumprir e, para isso, precisa realmente se reinventar.
De certa forma, nós envelhecemos na nossa militância, eu falo objetivamente, do ponto de vista geracional nós envelhecemos em algumas ações e práticas que nesse mundo atual precisam ser repensadas.
Nós envelhecemos na forma de nos relacionar com a sociedade e até internamente com os nossos militantes, e isso precisa ser objeto de debate profundo, inclusive de uma mudança na sua forma de organização, de estruturação.
Precisamos nos modernizar na forma de nos relacionar com o que nós chamamos “a franja petista”, ou seja, são aqueles que vão para a rua, são aqueles que estão ali no segundo turno, mas que não são nem querem ser organicamente filiados ao PT.
Eles precisam ter um espaço e influência sobre o partido, esse é um desafio.
Segundo, nós temos que eliminar o peso exagerado das facções das correntes internas no partido, não eliminá-las porque é importante, mas precisamos nos abrir mais aos movimentos sociais, especialmente os movimentos sociais modernos das mulheres, da juventude, das etnias, enfim.
E também precisamos nos abrir para um diálogo mais permanente com diversos setores da sociedade.
Eu acho, se o PT fizer, e isso implica inclusive mudanças no seu estatuto, nós temos uma perspectiva positiva para o partido e eu acredito que será possível fazer.
Antonio Lavareda - O que hoje pode se perspectivar em relação a estratégia do partido para as eleições de 2020?
Humberto Costa - Acho que nós temos que levar em consideração a eleição do ano que vem partindo dessas duas possibilidades: uma possibilidade que eu acho relevante é que nós possamos construir com outros segmentos, principalmente da esquerda, um espaço permanente para o debate dessas eleições.
Porque haverá em muitos estados a possibilidade de realização de alianças, e isso pode representar um avanço que, lógico, não vamos querer transformar num plebiscito do governo Bolsonaro ou não.
Mas certamente vai ser importante que as forças democráticas e as forças de esquerda possam ganhar em alguns lugares relevantes para inclusive marcar alguma coisa para 2022.
Então, por exemplo, há lugares que eu penso, por exemplo, Porto Alegre: por mais que o PT seja forte, não há como, se o PCdoB resolver disputar, nós não estarmos juntos com Manuela d’Ávila, que deve ser uma forte candidata.
Antonio Lavareda - E no Recife?
Humberto Costa - É uma situação complexa porque o PSB está há um bom tempo no poder no governo.
O PT tem um nome importante, embora nós tenhamos internamente algumas dissensões. É um município onde as duas possibilidades vão ser levadas em consideração, quem sabe se por esse desenho nacional que deve juntar PT, PSB, PCdoB, PSOL e rede, nós vamos trabalhar para construir uma unidade.
E aí vamos ver quem vai ser o candidato que o PSB vai apresentar ou nós também demarcarmos no primeiro momento uma candidatura do PT.
Eu creio que o que vai acontecer, e eu vou lutar para isso, é que nós tenhamos um processo combinado.
Em São Paulo, por exemplo, não faz sentido, é muito difícil, nós fazemos uma aliança com o PSB, que deve lançar Márcio França. É um bom candidato, um candidato forte, mas as divergências são muito grandes.
Mas nada impede um compromisso de que, no segundo turno, ou PT ou PSB, quem vá possa ter um apoio do outro.
Nós temos que fazer uma espécie de uma concertação política para essas eleições.
Eu acho que isso vai ser feito.
Antonio Lavareda - Seu nome é cogitável como candidato?
Humberto Costa - Não, absolutamente.
Se eu tomar essa decisão, pode saber que eu vou precisar de uma internação compulsória.