O vice-presidente da República, Hamilton Mourão (PRTB), considera as próximas eleições municipais, no ano que vem, definitivas para mostrar se a vitória da sua chapa com Jair Bolsonaro (PSL) foi uma guinada à direita. “É importante para definir se realmente o País está tendo uma tendência para centro-direita ou se foi apenas um soluço a eleição do presidente Bolsonaro”, disse, na entrevista ao cientista político Antonio Lavareda que foi exibida neste sábado (8), na TV Jornal.

Mourão ainda negou que tenha intenção de se candidatar em 2022.

Antonio Lavareda - Quais são os principais desafios para que o governo venha a estabelecer uma relação mais próxima com a população do Nordeste?

Lembrando que é a única região onde Bolsonaro perdeu a eleição e em pesquisas recentes é também a que o governo amarga uma taxa de reprovação maior.

Hamilton Mourão - A gente observa que o voto do Norte e do Nordeste sempre foi em cima daqueles candidatos que colocam o Estado como pai de todos.

O candidato que tem uma proposta mais liberal, com menos Estado, normalmente não recebe muitos votos aqui nessa região.

E a gente entende isso. É uma região que ao longo da história tem sofrido com suas carências, muitas vezes com certo descaso do governo central.

A própria questão do clima, da geografia leva a isso.

No ano passado, depois da eleição, o presidente Bolsonaro viu muito claramente que tinha que ter ações específicas aqui, então, naquela visita a Israel, um dos grandes objetivos era ver como Israel tinha enfrentado e vencido o clima, que é adverso a qualquer atividade produtiva.

Tem que buscar água o tempo todo, então a questão da dessalinização da água era algo que ele se preocupava.

Também, a partir do momento em que escolheu o ministro (Gustavo) Canuto, para o Desenvolvimento Regional, entregou a tarefa de propor um plano para um desenvolvimento sustentável aqui para região.

Há 10 dias, ele já esteve aqui em Pernambuco, eu acho que ele vai, com a sequência das ações dele, comparecendo.

Haverá essa aproximação natural e uma ruptura nessa barreira, digamos assim, que há entre a população nordestina e o nosso governo.

Lavareda - A proposta do então candidato Bolsonaro, imediatamente após o primeiro turno, do 13º salário do Bolsa Família já foi o primeiro passo nessa direção?

Mourão - Além dessa questão de a gente colocar um 13º para o Bolsa Família, é importante que a gente tenha programas aqui que façam as pessoas terem emprego e renda e, a partir daí, ter direitos que lhes são negados.

Lavareda - Além dos problemas sociais, que foram importantes à popularidade do ’lulismo’ na região Nordeste, os analistas sempre apontam também um conjunto de políticas de desenvolvimento voltadas para a região nesse período em que o PT esteve a frente do governo federal: duas refinarias, fábrica de automóveis no polo de Goiana e estaleiros.

Tudo isso foi paralisado há poucos anos e a partir de 2015 o PIB só tem crescido pela metade do País: desde então, o Brasil cresceu 1,1% entre 2017 e 2018 e o Nordeste cresceu, respectivamente, 0,8% e 0,6%.

O governo Bolsonaro tem algum projeto, já mais concretamente ou ainda o esboço, que venha efetivamente a ajudar a deslanchar o desenvolvimento regional?

Mourão - A visão do presidente Bolsonaro é muito clara: nós temos que ter a proposta.

Existe um plano que foi desenvolvido já pelo Ministério do Desenvolvimento Regional e que vai ser anunciado em breve.

Entre os eixos estão infraestrutura e a questão da energia, aproveitar todo o potencial de energia renovável que existe aqui na região. É obvio, nós temos que buscar soluções para o problema da água do semiárido, sejam as soluções mais simples, com a dessalinização da água do mar, de modo que essa água abasteça as regiões litorâneas e aquilo que está vindo na transposição do rio São Francisco possa então ser aproveitado pela população do semiárido.

Linkado a isso tem que haver projetos na área de agricultura familiar, de modo que essas pessoas que vivem no interior tenham a sua produção própria e essa produção garanta o seu sustento e também a venda do excedente.

Lavareda - Alguns tópicos da reforma da Previdência têm um impacto especial na região Nordeste, como, por exemplo, aposentadoria rural e BPC.

Há uma resistência dos governadores nordestinos, naturalmente, associada esses dois pontos.

Esses esses dois pontos de discórdia podem efetivamente ser afastados para o País avançar mais rápida e facilmente na direção da aprovação de uma reforma?

Mourão - Já existe o entendimento por grande parte da população de que hoje, em torno de 50% já compreenderam a extensão do problema que é o nosso sistema previdenciário.

Ele é um sistema que se parece com a pirâmide financeira.

Nós, aqui, somos mais velhos, vamos receber porque chegamos na frente.

Os mais novos, que estão sentados aqui na nossa volta, filmando isso aqui, não vão receber nada.

Vão trabalhar do berço ao túmulo sem ter direito à aposentadoria.

Então, a população entendeu isso: nós temos que mudar as regras.

Os dois aspectos primordiais que você tocou, o papel dos governadores na questão do BPC e da aposentadoria rural, eu acho que os governadores têm que fazer a sua parte.

Eles entendem onde apertam os calos e nessa hora tem que haver a coragem moral de buscar o que é melhor para o conjunto da população que o elegeu.

Tem uma série de cálculos e a proposta que o governo colocou que fosse pago a partir dos 60 anos com a metade do salário e o camarada só teria direito ao salário completo a partir do 70 era uma proposta honesta e com uma visão muito específica.

Agora está sendo discutida no Congresso a questão da aposentadoria rural, que ela está muito ligada ao sindicato simplesmente dar um um visto bom e dizendo que a pessoa trabalhou na área rural e está sendo mudado pela própria Medida Provisória que foi aprovada na segunda-feira no Senado para impedir as fraudes no sistema Previdenciário.

Tudo isso está na discussão do Congresso.

Nós colocamos uma reforma que consideramos a ideal agora sabemos que o Congresso irá aprovar aquela reforma que ele acha possível.

Não será nem tanto ao mar nem tanto à terra.

Eu julgo que ela será aprovada nos próximos 40, 45 dias, mas dentro de uns 80% daquilo que nós gostaríamos.

Lavareda - O senhor voltou duas semanas atrás da China.

Trouxe uma série de boas notícias, inclusive preparando a visita do presidente Jair Bolsonaro, que deve ocorrer no início do segundo semestre.

Da sua volta para cá, o presidente Trump anunciou novas e duras sanções, que, de certa forma, atemorizam os mercados mundo a fora.

Isso pode afetar as perspectivas abertas pela sua viagem?

Mourão - Nessa guerra comercial que está sendo travada o Brasil ele tem que ter uma posição que eu chamo de flexível e pragmática.

Nós temos que aproveitar o melhor disso.

Eu não tenho dúvida que, aos Estados Unidos taxar os produtos chineses e eles chegando mais caros no mercado consumidor americano, vai abrir uma janela de oportunidade para os nossos produtos que não competem com os chineses naquele mercado.

Ainda há pouco eu lia uma visão de um grupo que nós poderíamos aumentar nossas exportações para os Estados Unidos na faixa de 4,5 a 5 bilhões de dólares em alguns desses produtos que estão sendo taxados.

Por outro lado, o nosso fluxo comercial com a China não vai perder intensidade, muito pelo contrário, ainda mais agora nessa situação que a China está passando uma necessidade maior de proteína animal, fruto da peste suína africana que está assolando o país.

Lavareda - Mesmo essa proibição da utilização no sistema da Huawei?

Mourão - Existe uma pressão nos Estados Unidos nessa questão.

Essa discussão está em cima do 5G, só que acontece que, das quatro empresas do mundo que detêm a tecnologia 5G, duas são chinesas e duas são finlandesas.

Os americanos perderam essa corrida.

O 5G já está sendo vendido para vários países do mundo e a Huawei está já instalada aqui no Brasil, já tem emprego sendo produzido aqui.

A questão da Huawei hoje está muito ligada à de confiança, que a empresa não vai usar o acesso que ela tem aos dados para inteligência da China.

Lavareda - Qual é o horizonte de perspectivas de investimento chinês no Brasil?

Lembrando que há uma negociação para a implantação de um terminal de minérios em Suape, aqui em Pernambuco.

Mourão - A China tem hoje aquela iniciativa ‘Belt and Road’, é o cinturão e rota, e assim é uma forma dela fazer uma conexão com determinados países.

Ela atingiu primeiro o Sudeste Asiático e a África, chegou na Europa, na Europa ocidental.

A Itália aderiu e o Porto Trieste hoje está ligado com a China, uma nova rota da seda ampliada.

O nosso caso aqui específico, inclusive conversei isso com diversas lideranças chinesas, é que nós achamos interessante, mas nós já temos diversos mecanismos de investimentos e de troca de comerciais que não necessitam especificamente estar atreladas ao ‘Belt and Road’.

O que eu vejo aqui, e que foi a nossa conversa, é que os investimentos chineses são bem-vindos, mas eles têm que produzir emprego para brasileiros e não para chineses.

Empregos para chineses são lá na China.

Porque a gente vê muitos países da África: desembarcam lá 50 mil, 100 mil chineses para trabalhar na construção de um porto, na construção de uma ferrovia ou rodovia.

Ao mesmo tempo, vai haver essa intensificação das trocas comerciais fruto do problema de segurança alimentar que a China tem.

Lavareda - O governo em algum momento deve refletir sobre a sua participação mais ativa na reforma política ou nós vamos viver até o final desse governo e os próximos um quadro partidário tão fragmentado que está na raiz de vários problemas?

Mourão - Há quem diga que a reforma política seria a mãe de todas as reformas, que ela propiciaria realmente uma mudança na estrutura política do nosso país.

O que ocorre hoje é que nós temos um problema primordial, que é a questão econômica, que tem que ser atacada de frente.

A reforma política ficou um pouco mais para trás.

Lavareda - Provavelmente 2020 vai refletir, de alguma forma, o movimento que houve na eleição passada.

No seu entendimento, esses novos partidos que representaram o bolsonarismo vão caminhar com candidaturas próprias ou vão ser agentes secundários em relação às forças da direita tradicional?

Mourão - Essa eleição de prefeitos e vereadores do ano que vem é um fato portador de futuro para o que vai acontecer em 2022, quer o presidente Bolsonaro pleiteie ser reeleito ou que outra força surja para buscar a presidência naquele momento.

Essa eleição do ano que vem é importante para definir se realmente o país está tendo uma tendência para centro-direita ou se foi apenas um soluço a eleição do presidente Bolsonaro no ano passado, assim como de alguns governadores dos Estados que foram eleitos nessa onda Bolsonaro.

Eu julgo que é um trabalho que já está começando a ser feito no seio do PSL e dos outros partidos que têm uma visão mais ou menos comum às ideias do presidente Bolsonaro.

Lavareda - É possível que o bolsonarismo venha competir nas grandes cidades?

Mourão - Nós temos que buscar os nomes corretos, porque a eleição no Brasil não se dá em cima do partido.

O partido faz uma um papel, mas tem que haver um nome que realmente seja palatável para o conjunto da população.

O trabalho que nós temos que fazer é exatamente esse, de fazer a seleção de frente, buscar os nomes que realmente empolguem o eleitorado e que representem as ideias que o presidente Bolsonaro tem procurado transmitir.

Lavareda - Na última entrevista do presidente Jair Bolsonaro à revista Veja, ele disse que, se uma reforma política, vier a ocorrer, ele estaria disposto a abrir mão da reeleição.

Nessas hipóteses, isso significa que o general Hamilton Mourão fica na pole position para a sucessão de 2022?

Mourão - Em absoluto, eu me uni ao presidente Bolsonaro única e exclusivamente para participar de um projeto.

Eu nunca tive veleidade de buscar cargo político.

Foi sondado logo que eu passei para a reserva, mas disse que eu estava à disposição caso o presidente Bolsonaro precisasse de mim.

Por enquanto não existe essa visão de que em 2022 eu seria candidato em substituição a ele.